Em palestra na Associação Espírita Fé e Caridade, a trabalhadora da casa Adriana Adada trouxe uma reflexão sobre as paralisias da alma, tendo como referência uma narrativa que está no evangelho de João 5:1-8, sobre a passagem de Jesus no Tanque de Betesda.
A passagem diz assim:
Depois disso, por ocasião de uma festa dos judeus, Jesus subiu a Jerusalém. Existe em Jerusalém, junto à Porta das Ovelhas, uma piscina que, em hebraico, se chama Bethzata, com cinco pórticos. Sob esses pórticos, deitados pelo chão, numerosos doentes, cegos, coxos e paralíticos ficavam esperando o borbulhar da água. Porque o Anjo do Senhor se lavava, de vez em quando, na piscina e agitava a água; o primeiro, então, que aí entrasse, depois que a água fora agitada, ficava curado, qualquer que fosse a doença. Encontrava-se aí um homem, doente havia trinta e oito anos. Jesus, vendo-o deitado e sabendo que já estava assim havia muito tempo, perguntou-lhe: “Queres ficar curado?” Respondeu-lhe o enfermo: “Senhor, não tenho quem me jogue na piscina, quando a água é agitada; ao chegar, outro já desceu antes de mim”. Disse-lhe Jesus: “Levanta-te, toma o teu leito e anda!” No mesmo instante, o homem ficou curado, pegou sua cama e começou a andar.
— João 5:1-8.
Logo depois que o homem com paralisia sai caminhando e falando sobre a sua cura, alguém lhe pergunta quem o curou. Essa historia ocorreu num sábado, que era por lei um dia de descanso. E o homem com paralisia respondeu que não sabia quem o tinha curado.
É bom lembrarmos que, com as traduções em outras linguas até chegar na língua portuguesa, as traduções podem trazer palavras em grafias diferentes. Então podemos encontrar essa passagem como piscina de bethazata, bethsaida, ou betesda.
Também podemos encontrar trechos que o termo final fala em cama, outro em leito e outro em catre, mas todos têm o mesmo significado.
Vamos primeiro entender onde aconteceu a história.
O Tanque de Betesda
O tanque de Betesda – que significa “casa de misericórdia” – era uma cisterna, cercada por cinco pórticos ou entradas. Era como um reservatório de água, e ele se tornou um centro de peregrinação, especialmente para aqueles que buscavam cura.
Isto porque, segundo a crença popular, quando as águas se mexiam era o momento mais propício para entrar na água e se curar. Como não sabiam o que agitava essas águas, criou-se a crença de que era um Anjo do Senhor se lavando.
Há algumas teorias para esse movimento das águas:
- Poderia ser que o tangue mantivesse uma fonte intermitente, que em certas épocas jorrava com mais força e agitava a água. Tratava-se de uma fonte natural de agua com propriedades curativas, que hoje conhecemos como fontes de águas termais ou minerais radioativas.
- Outra teoria seria de que o movimento da água poderia ser causado por atividade sísmica na região.
Independente disso, o fato é que, naquela época, havia diversos relatos de curas naquele tanque.
E quando falamos de cura, nos tempos de Jesus, precisamos lembrar que não havia um desenvolvimento razoável da ciência ou medicina naquela época, então, as curas tinham caráter religioso ou mágico.
Então o tanque de Betesda era frequentado por todos os tipos de enfermos e inválidos. Era um lugar de esperança e fé, onde as pessoas buscavam cura para suas doenças.
Conta a história que Jesus foi a Jerusalém num período festivo, mas em vez de ir diretamente ao templo, onde ocorreriam as festividades, Ele se dirigiu ao tanque de Betesda.
Jesus no tanque de Betesda
Como vimos, o local era frequentado por numerosos doentes, pessoas com deficiências visuais e físicas, com paralisias… justamente as pessoas com necessidades, a que Jesus mais dedicou o seu ministério.
Diferente de outras passagens do evangelho, em que temos doentes indo procurar Jesus para obter a cura, nesta, em específico, foi Jesus quem procurou o homem com paralisia.
Embora o homem não O conhecesse, Jesus sabia tudo sobre sua doença. Então há duas reflexões que podemos fazer a partir desta passagem, que veremos a seguir.
1. Lição de compaixão
A primeira é um lembrete da compaixão de Jesus e o seu conhecimento das necessidades mais profundas do homem
Jesus sempre é sensível ao sofrimento humano, Jesus conhecia a dor daquele homem que aguardava por uma cura há 38 anos. Aquele era um homem que ninguém queria levar até as águas.
Jesus não levantou aquele homem, Jesus não esperou as águas se moverem para levá-lo em direção as águas, Jesus o capacitou para que ele mesmo levantasse e caminhasse.
2. Lição de Fé
A segunda lição é sobre a fé daquele portador de paralisia, que estava aguardando por 38 anos para ser curado. Imagine a quantidade de vezes que ele tentou rastejar até a água, mas, sempre era derrotado. Ele ainda continuava no tanque, aguardando o dia em que conseguiria ser curado.
Aquele homem paralítico não conhecia Jesus, mas ainda assim ele foi curado.
E a nossa lição?
Nós conhecemos Jesus, nós conhecemos a Sua história de peregrinação para ensinar o amor, a caridade enquanto esteve encarnado na Terra.
Nós conhecemos Jesus e, ainda assim, muitas vezes, somos aqueles doentes do tanque de Betesda, aqueles portadores de paralisia esperando que alguém nos carregue até as águas para a efetiva cura.
E embora a maioria de nós não tenha nenhuma limitação no corpo físico, nós, de fato, estamos paralisados, com paralisia espiritual, paralisados na alma. Estamos estacionados em algum aspecto da nossa evolução, que nos impede de caminhar e de seguir adiante.
O que é a paralisia da alma?
Joanna de Ângelis, no livro Plenitude, afirma que todo sofrimento é considerado uma doença da alma, que nos causa essa paralisia espiritual.
No momento do nosso reencarne, a maioria de nós escolhe as provas e expiações que queremos passar no plano terreno, e muitas vezes elas se manifestam por meio de dores. A dor, portanto, é necessária para a nossa cura, mas ficar remoendo essa dor, acaba virando um sofrimento desnecessário.
Joanna de Ângelis afirma que todo sofrimento é considerado uma doença da alma, que nos causa essa paralisia espiritual.
A conduta moral e mental dos homens, quando cultivas as emoções da irritabilidade, do ódio, do ciúme, do rancor, das dissipações, impregna o organismo, o sistema nervoso, com vibrações deletérias que bloqueiam áreas por onde se espraia a energia saudável, abrindo campo para a instalação das enfermidades, graças à proliferação dos agentes viróticos degenerativos que ali se instalam.
— Joanna de Ângelis, no livro Plenitude.
Todos temos dores nesta vida, mas se começarmos a cultivar esse sofrimento com emoções pesadas e ruins, como rancor, ódio, a irritabilidade, ou até nossos vícios, como o orgulho, a vaidade, o egoísmo, esses sentimentos se cristalizam, acabam se convertendo nesses pontos de paralisia que nos prejudicam a saúde.
E os pontos de paralisia que prejudicam a nossa saúde, não é a saúde do corpo físico, e sim a saúde espiritual.
Porque, como sabemos, o nosso corpo físico é apenas uma vestimenta destinada ao processo de aperfeiçoamento e cura do espirito,
Corpo: vestimenta do espírito
Ainda hoje quando falamos em saúde, automaticamente nos conectamos apenas à saúde do corpo físico. Se nosso corpo está bem e todos os órgãos funcionando, acreditamos estar saudáveis. Quando adoecemos, muitas vezes julgamos não ter qualquer sentido, porque, afinal, estávamos saudáveis, fisicamente.
E é nessa hora que, inclusive, nossa fé até se abala. Fazemos perguntas como:
- “Por que eu? Tanta gente que não cuida da saúde, eu cuidei e ainda assim adoeci?”
- Por que eu, meu Deus? O que eu fiz para merecer isso?”
E por que pensamos assim? Porque estamos apenas olhando para o nosso envoltório fisico, carnal. Mas nos esquecemos das nossas doenças e enfermidades morais, que são tão ou mais graves que as doenças do corpo físico.
Doenças materiais e doenças da alma
No livro Caminho, Verdade e Vida, o benfeitor Emmanuel, pela psicografia de Francisco Candido Xavier, afirma que nós enxergamos apenas a doença do corpo físico:
De modo geral, quando encarnados no mundo físico, apenas enxergamos os aleijados do corpo, os que perderam o equilíbrio corporal. Não possuímos suficiente visão para identificar os doentes do espírito, os coxos do pensamento, os aniquilados de coração. esmagadora maioria de pessoas se constituem de almas paralíticas, no que se refere à virtude, raros homens conhecem a desarmonia de saúde espiritual que lhes diz respeito, conscientes de suas necessidades incontestes.
— Emmanuel, em Caminho, Verdade e Vida.
A Doutrina Espírita nos traz o conhecimento de que, assim como os peixes vivem totalmente envolvidos pela água, nós vivemos totalmente envolvidos pelo fluido cósmico universal.
E esse fluído cosmico universal é o condutor/veículo dos nossos pensamentos.
Então quando nos conectamos com pensamentos negativos, alimentamos desarmonias, cultivamos aquele sentimentos de raiva, rancor.
Essas emoções carregadas ficam ao nosso redor, no fluido cósmico universal, assim como a água fica ao redor do peixe, e daí quem está recebendo toda essa carga pesada, negativa? Nós mesmos.
Absorvendo essas energias que estão ao nosso redor, automaticamente desequilibramos nossa saúde espiritual e ficamos paralisados na alma.
Tudo que está paralisado é fonte de quê?
Água parada: fonte de doenças
Assim como uma água parada ou sem movimento, tudo que está paralisado é fonte de enfermidade.
Pensemos em algum ambiente com água, que não tem queda, que não tem qualquer corrente para movimentá-la… O que acontece? A própria piscina, espelho d’água… ela pode ser cheia de água cristalina, mas o que acontece com essa água se ela fica parada, sem qualquer movimento? Fica suja, chega mesmo a apodrecer.
Com nossos sentimentos e emoções acontece a mesma coisa.
Se não limparmos constantemente nossos pensamentos, não monitorarmos o que sentimos e o que vibramos, esses sentimentos ruins se cristalizam e nos adoecem.
Água em movimento: fonte de vida
E o que acontece com a água em movimento? Ela se mantêm cristalina, limpa.
Jesus nos disse “Orai e Vigiai”. Sejamos vigilantes nos nossos pensamentos e sentimentos, para evitarmos a paralisia da alma
Quando Jesus perguntou: “queres ficar curado?” Ele não falava apenas para aquele homem com paralisia que aguardava a cura há 38 anos… Ele falava a cada um de nós, que aguardamos a cura talvez há séculos ou mesmo há milênios.
Pergunte-se: quero ou não quero mover a água parada em mim? Quero ou não mover essa parte minha que está paralisada?
Justificativas e dores
O grande problema é que, quando Jesus nos pergunta se queremos ser curados, estamos tão arraigados às coisas desse mundo que em vez de dizer que sim, acabamos justificando nossas dores e doenças em razão das dificuldades que o mundo nos impõe.
Nós responsabilizamos os outros pelos nossos fracassos.
Exatamente como fez o paralítico de Betesda, mas ele ainda tinha a desculpa de não conhecer Jesus. A tentativa do paralítico de justificar sua ociosidade não pode se repetir conosco.
Agora já sabemos que estamos aqui encarnados porque pedimos e assumimos esse compromisso.
A cura está nas mãos do enfermo
Quando o Mestre se aproxima do portador de paralisia e pergunta “Queres ficar curado?”, o que está acontecendo naquele momento? Jesus está colocando nas mãos do enfermo sua própria cura, a sua vontade e seu desejo vai lhe curar.
Vejamos: no tanque de Betesda, o esforço próprio para entrar no tanque na hora certa lhe possibilitaria a salvação, a cura.
E hoje?
Da mesma forma, a salvação também é possibilitada pelo nosso esforço pessoal.
Allan Kardec, em O Livro dos Espiritos, questão 909, questiona à espiritualidade superior:
Poderia sempre o homem, pelos seus esforços, vencer as suas más inclinações?
Resposta: Sim, e, frequentemente, fazendo esforços muito insignificantes. O que lhe falta é a vontade. Ah! Quão poucos dentre vós fazem esforços!
— O Livro dos Espíritos, questão 909.
As más inclinações estão afloradas em todos os corações que não aprenderam de fato o que é amar. Não só a Deus mas também ao próximo. Que não compreenderam ainda a prática da caridade. As más inclinações crescem nas almas que não perdoam.
O nosso processo de cura só se concretiza com a devida superação dos obstáculos, com a identificação, aceitação e mudança das nossas más inclinações.
Para fazer isso, precisamos plantar diariamente novos pensamentos, novos sentimentos, novas atitudes.
Quando Jesus diz: “Levanta-te, toma teu leito/cama e anda”, Ele está nos convocando a nos libertar das nossas imperfeições, pela nossa fé.
Carregar o leito pode ser visto como o símbolo do recomeço. Por que o leito era o símbolo da paralisia daquele homem. Agora este símbolo está sob o controle dele, ele está liberto.
Jesus quer que reconheçamos e dominemos nossas fraquezas, superemos nossas imperfeições
A cura da paralisia da alma pode vir através de um persistente trabalho de renovação mental e comportamental.
Porque não adianta eu mudar meus pensamentos e não mudar minhas ações, há de haver um equilíbrio, para que nossamos pouco a pouco, vencer nossas más inclinações, sejam elas quais forem.
A cura nunca esteve no tanque de Betesda, a cura está na nossa fé, dentro de nós!
Acompanhe o áudio da palestra na íntegra:
* Colaborou para esta publicação: Adriana Adada.
** Imagem em destaque: DALL.E do ChatGPT.