Em palestra na Associação Espírita Fé e Caridade, a expositora Débora Homobono traz uma reflexão com base no Capítulo 16 de O Evangelho Segundo o Espiritismo, “Não se pode servir a Deus e a Mamon”. Em específico a instrução dos Espíritos, no item intitulado “A verdadeira propriedade”.
Emmanuel, numa mensagem muito interessante e reflexiva chamada “amealhando (acumulando aos poucos) a riqueza real“, diz:
Não te preocupes da verdadeira propriedade, para que a propriedade irrisória não te perturbe o roteiro e encegueça o coração. Há bens inalienáveis e preciosos que podes perfeitamente conduzir contigo do caminho terrestre para o mundo espiritual. Para isso, é indispensável saibas usar os talentos que a sabedoria da vida te confiou.
— Emmanuel no livro Linha Duzentos, pela psicografia de Francisco Candido Xavier.
Os talentos que temos nos foram doados por Deus. E quando chegamos aqui, numa encarnação, não trazemos nada material do plano espiritual. Nossos pais se unem e nós nascemos, num nosso corpo físico, que é emprestado por Deus. E tudo que usufruímos aqui, inclusive nosso corpo, não se pode levar ao retornar ao plano espiritual.
Quando Emmanuel nos adverte para que prestamos atenção nos bens inalienáveis que podemos levar do plano físico para o plano espiritual, e diz para não nos apegarmos àqueles que vão nos distrair do que é o verdadeiro sentido da nossa vida aqui na Terra, ele fala o que os espíritos trazem no evangelho:
O homem só possui em plena propriedade aquilo que lhe é dado levar deste mundo. Do que encontra ao chegar e deixa ao partir, goza ele enquanto aqui ele permanece. Mas quando ele é forçado a abandonar tudo isso, não tem das suas riquezas ou bens materiais a posse real, mas simplesmente usufruto.
— O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo 16, item 9.
Tudo que encontramos e construímos aqui quando chegamos na reencarnação, somos obrigados a deixar quando ocorre a desencarnação.
O que o homem possui de seu?
Nada do que é uso do corpo, dizem os espíritos. E quais seriam esses talentos que Deus nos emprestou? Como nos coloca o Apóstolo Paulo, é justamente as coisas da alma.
O que trazemos quando chegamos, o que desenvolvemos e o que levamos ao retornar ao plano espiritual? Levamos apenas o que é de uso da alma: a nossa inteligência, os conhecimentos e as qualidades morais.
O mal da distração
No Livro dos Espíritos > Parte segunda — Do mundo espírita ou mundo dos Espíritos > Capítulo I — Dos Espíritos > Progressão dos Espíritos. > Questão 114, Kardec pergunta:
Os espíritos são bons ou maus por natureza, ou são eles mesmos que se melhoram?
— O Livro dos Espíritos, questão 114.
Na visão materialista, o ser é criado a partir do momento em que é gerado, não trazendo nada de nenhum lugar e não levando nada a nenhum lugar. Nesta visão, na qual não existe reencarnação, Deus criaria então alguns homens para serem felizes, outros para sofrerem, e outros no meio termo. Por isso Kardec faz a pergunta e é respondido pelos espíritos:
São os próprios espíritos que se melhoram, e melhorando-se passam de uma ordem inferior para outra mais elevada.
— O Livro dos Espíritos, resposta à questão 114.
É nesse ponto que Emmanuel nos chama a atenção, porque quando chegamos aqui no mundo físico, nos distraímos tanto em nossa a preocupação com a vida material, que às vezes nem conseguimos dormir direito por idealizar e planejar coisas. Temos sonhos que consomem a nossa energia, tanto a física quanto a espiritual.
É na distração que mora a dificuldade da nossa reencarnação. Quando viemos para a Terra, fazemos um planejamento reencarnatório e esse planejamento não é extremamente detalhado, porque não temos condição de cumprir. Deus é tão misericordioso que permite que planejamos apenas aquilo que damos conta de fazer.
Ao chegar aqui, se nos deixarmos levar por distrações, podemos até dobrar ou triplicar a carga/fardo/cruz que trouxemos para atravessar a encarnação com ela.
E esses talentos que trouxemos para desenvolver (inteligência, conhecimentos e qualidades morais), ficam de lado, ou muitas vezes usamos esses talentos de forma indevida, seja para destruir as coisas físicas, seja para destruir as esperanças, os sonhos, seja para destruir aquilo que muitas vezes alguém, com tanta dificuldade, conseguiu conquistar.
Deixa a vida me levar?
Já se perguntou: “o que que eu estou fazendo na minha vida”? Muitas vezes deixamos que a vida nos leve, mas somos nós que temos que levar a vida, controlar o que estamos fazendo hoje para imaginarmos como será o futuro.
O futuro sabemos que a Deus pertence, mas o que fazemos hoje é a base do nosso futuro. Então, se eu quero ter um bom futuro ainda aqui na Terra –- porque é verdade que a felicidade não é deste mundo, já dizia Jesus -– mas podemos começar a sermos felizes ainda aqui, enquanto trabalhamos as coisas que são necessárias à satisfação do espírito.
Afinal, posso ou não ter a propriedade de uma casa boa e um carro bom?
Sentimo-nos premiados, felizes, quando podemos viajar, comprar uma casa boa, comprar um carro novo. E é justo. Por vezes trabalhamos tanto que o próprio criador nos dá esse estímulo, pois se o nosso trabalho é honesto, honrado e não prejudica ninguém, então é lícito e Deus nos dá esse estímulo.
A questão é que isso não pode ser a nossa preocupação principal. Muitas pessoas hoje estão num leito de hospital sem poder se levantar, lutando pela vida, porque perderam a saúde atrás dessas coisas: passando noites em claro, deixando de se alimentar direito, dedicando a sua vida e a sua saúde à conquista de bens materiais. E nem estamos falando daqueles que ganham o dinheiro de forma nefasta, como por exemplo, aqueles que vendem drogas, que ganham dinheiro na criminalidade, nos atos ilícitos. Mas sim daquelas pessoas que são honestas, mas que dedicam a sua vida e a sua saúde à conquista de bens materiais.
Além disso, quantas vezes as pessoas deixam de ficar com a família, com os filhos, deixam de passear, ir numa praça, de ir no aniversário de um sobrinho, de um parente, de um irmão, de passar o Natal com a família porque tinham que trabalhar. E depois acabam tendo que ficar numa cama, sem poder sair para canto nenhum, nem para trabalhar. Então são reflexões que precisamos fazer.
O acúmulo de propriedade e o legado para os filhos
Um dos maiores desejos de muitos pais é garantir um conforto financeiro para seus filhos, evitando que eles enfrentem as dificuldades que vivenciaram, mas é importante refletir sobre como as dificuldades moldam o caráter e a ética.
O que forjou o homem honesto e trabalhador, a mulher honesta e trabalhadora, foram as dificuldades. Foram as dificuldades que impulsionaram a pessoa a buscar a solução dos seus problemas através da honestidade, do trabalho
Quando eliminamos esses desafios da vida dos nossos filhos, corremos o risco de privá-los de experiências importantes para seu amadurecimento emocional, psicológico e moral. Além disso, ao se tornarem excessivamente dependentes, podem passar a nos ver apenas como provedores, em vez de entenderem a importância de lutar por suas próprias conquistas.
Evolução pessoal
O planejamento reencarnatório tem como objetivo nossa evolução. É importante nos perguntarmos: “Estou evoluindo?” e refletir sobre as mudanças em nossa vida ao longo dos anos. Cada aniversário nos aproxima de nosso retorno à casa, o plano espiritual, e isso nos leva a pensar.
Deus criou espíritos simples e ignorantes, todos iguais, mas nos deu consciência, inteligência e livre-arbítrio para construirmos nossa própria evolução. Qual seria o sentido de criar seres com diferentes destinos de sofrimento e felicidade? Isso não se alinha à justiça e ao amor divinos.
Assim, Deus nos fornece os instrumentos necessários para desenvolver nossa intelectualidade e moralidade. A consciência nos orienta, e o livre-arbítrio nos lembra que nossas escolhas impactam nossa evolução. Cada um de nós tem uma missão que nos aproxima Dele, pois a verdadeira felicidade vem da atenção plena a esse propósito.
A vontade do Pai
Jesus dizia que sua felicidade era fazer a vontade do Pai, que não é apenas fazer o bem ou promover a paz, mas sim que nós sejamos felizes. Para isso, precisamos cultivar a paz, o amor, a fraternidade e a caridade, além de desenvolver nossos talentos para evoluir em direção à perfeição relativa.
Essa evolução exige que enfrentemos provas, que não são castigos. Antes de reencarnar, temos consciência do nosso nível de evolução e podemos pedir por determinadas provas, embora Deus limite esse número para nosso bem, sabendo que não conseguiríamos passar por tantas provas numa encarnação só. Como dizem os Evangelistas, Deus quer “que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3:15). Assim, somos preparados para alcançar nossa evolução, sabendo que os bens da Terra pertencem a Deus.
Propriedade e Provas
Isso é tão verdadeiro que, às vezes, uma pessoa muito prudente, que economiza e vive de forma correta, pode perder tudo repentinamente.
Ao enfrentarem essa situação, muitos se perguntam: “O que fiz para merecer isso?” Na verdade, não se trata de merecimento, mas de prova.
Um exemplo são os eventos trágicos que ocorreram no Rio Grande do Sul. Essas experiências não são castigos, mas oportunidades para nos unirmos e praticarmos a fraternidade. Elas nos convidam a refletir sobre a fragilidade da matéria, que pode acabar a qualquer momento.
A propriedade terrena é um meio, não um fim
Todo ser humano merece uma vida digna, com um lar, família, alimentação e momentos de lazer. No entanto, é crucial enxergar isso como meio e não como fim; o verdadeiro objetivo está na evolução da alma e na busca pela perfeição.
Embora tenhamos livre-arbítrio para buscar a felicidade ao nosso modo, muitas vezes impomos condições materiais, ou prejudicando alguém, o que pode nos desviar do caminho. Após essas escolhas, enfrentamos as consequências e a dor da expiação, que são resultados de nossas ações, não da vontade de Deus. Como afirmam os espíritos, algumas pessoas passam séculos de arrependimento por decisões momentâneas.
Quer a fortuna vos tenha vindo da vossa família, quer a tenhais ganho com o vosso trabalho, há uma coisa que não deveis esquecer nunca: é que tudo promana de Deus, tudo retorna a Deus. Nada vos pertence na Terra, nem sequer o vosso pobre corpo: a morte vos despoja dele, como de todos os bens materiais.
— O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo 16, item 9.
É importante lembrar que, independentemente de como adquirimos bens materiais, nada nos pertence realmente; tudo vem e retorna a Deus. Às vezes nós temos a bênção de conseguir bens materiais. Perfeito, não tem problema isso — desde que para conseguir isso a gente não prejudique ninguém, nem a nós mesmos. Mas devemos ser apenas administradores desses bens temporários, pois, como disse Emmanuel, não devemos nos deixar cegar por posses passageiras.
Não estamos fazendo uma apologia para viver somente com o mínimo necessário. Não, estamos refletindo sobre a questão de não se prender tanto a essas posses passageiras.
Apego e sintonia
Se formos muito apegados a bens materiais, esse apego persiste após a morte. Ao desencarnarmos, não mudamos nosso comportamento de repente; continuamos com nossas tendências. Se permanecemos apegados, podemos sofrer ao ver outros cuidando do que considerávamos nosso.
Sentiremos saudade da nossa família e das coisas simples da vida, mas a vida material já acabou. Precisamos seguir em frente, desenvolvendo nossas capacidades para continuar nossa evolução. Se nos mantivermos distraídos, como diz Emmanuel, não conseguiremos caminhar nem ser auxiliados.
No plano espiritual, é preciso ter energia compatível para acessar diferentes ambientes. Muitas vezes, o desencarnado não consegue receber auxílio da espiritualidade porque sua sintonia impede isso. Podemos ter pessoas amadas que desencarnaram antes de nós, mas se não estivermos sintonizados, não conseguiremos vê-las. No caso de André Luiz em “Nosso Lar”, sua mãe, um ser muito evoluído, tentava ajudá-lo, mas ele não conseguia perceber sua presença, e ela não podia impor sua ajuda.
Pensemos nisso, e junto com Emmanuel, ele nos diz assim, ainda na mensagem “Amealhando a riqueza real”:
Dar o que retemos é devolver ao mundo a quota de nosso débito, mas doar a nós mesmos, a benefício dos outros, através de nosso suor, de nossa renúncia, de nosso silêncio ou de nosso sorriso, é realizar o investimento da verdadeira felicidade que nos seguirá da sombra terrestre à Luz Espiritual.
— Emmanuel no livro Linha Duzentos, pela psicografia de Francisco Candido Xavier.
Como espíritos imortais, temos o infinito para trabalhar nossa evolução. Porém, o tempo que levará depende exclusivamente de quão distraídos estamos e de quanto nos concentramos nos verdadeiros bens que nos pertencem: inteligência, conhecimento e qualidades morais, que são nossa verdadeira propriedade.
Acompanhe agora o áudio da palestra que inspirou esta publicação:
** Colaborou para esta publicação: Diego Tondo Souza.
** Imagem em destaque via DALL.E do ChatGTP.