Saúde espiritual no trabalho espírita

Cuidar de si não é compensar vazios com consumo, fugas ou autoindulgência. É um estado de atenção plena.

Este artigo parte da exposição da psicóloga e palestrante espírita Ana Tereza Camasmie sobre a saúde do trabalhador espírita, feita a convite da área de Atendimento Espiritual da 1a. União Regional Espírita da Federação Espírita Catarinense. A proposta é: para doar com qualidade, é preciso cuidar do próprio campo íntimo. Como diz Camasmie, “a lei do universo é de reciprocidade. Para ter condições de fazer uma boa doação, a gente precisa estar preenchido, a gente precisa estar cuidado, a gente precisa estar pleno” — assim doamos a partir da abundância e não da carência.

A palestra convida a ampliar nossa noção de saúde, compreender o sentido espiritual da dor e da expiação, e transformar o trabalho no bem em caminho prático de equilíbrio e regeneração. A seguir, organizamos as ideias principais da fala de Ana Tereza.

A saúde além da ausência de doença

Numa visão materialista, saúde seria apenas ausência de sintomas. Mas, sob o olhar espírita, saúde é harmonia da alma, mesmo convivendo com limitações do corpo ou da mente. Por isso, um tratamento que não elimina a enfermidade pode, ainda assim, curar atitudes, educar desejos e recolocar a vida nos eixos.

Ana Tereza nos leva a refletir: muitas vezes chamamos de “cura” apenas o desaparecimento do incômodo. Contudo, “a doença é consequência de excessos”. A dor não é castigo — é efeito de escolhas, e pode tornar-se freio educativo para o espírito que se desnorteou. Nesse sentido, adoecimentos crônicos ou vulnerabilidades psíquicas podem exercer um papel pedagógico, conduzindo-nos a novas prioridades, hábitos e vínculos.

Expiações e regeneração

Allan Kardec descreve, em O Céu e o Inferno, um tríplice movimento da consciência: arrependimento → expiação → reparação. A expiação, aqui, não é pena arbitrária, mas processo de reequilíbrio com as leis divinas; a reparação é o passo adiante, restaurando o bem que foi ferido.

Vivemos num mundo de Provas e Expiações, caminhando para a Regeneração. Regenerar é retecer, refazer: por isso, tantas dores pedem de nós metanoia (mudança de mentalidade) e conversão de conduta. O que chamamos “limitação” pode ser, espiritualmente, saúde em construção.

Cuidar de si: orientação de Paulo a Timóteo

A bússola do estudo foi a recomendação paulina a Timóteo, lembrada pela expositora: “Tem cuidado de ti mesmo […] e da doutrina. Persevera nestas duas coisas”. Ana Tereza sublinhou o “e”: não é ou; é juntos e ao mesmo tempo — o autocuidado e a fidelidade ao Evangelho.

Emmanuel, comentando esse versículo em Caminho, Verdade e Vida (cap. 148), destaca três movimentos práticos:

  1. Vigiar o campo interno (pensamentos, sentimentos, atitudes);
  2. Valorizar a disciplina (distinguir necessário de supérfluo, sustentar rotinas saudáveis);
  3. Examinar as necessidades do coração (o que de fato precisa ser nutrido em mim?).

Em suas palavras: é “imprescindível não perder o cuidado consigo próprio” — não para nos isolarmos, mas para servirmos melhor.

O que significa, de fato, cuidar de si

Cuidar de si não é compensar vazios com consumo, fugas ou autoindulgência. É um estado de atenção plena. Como disse a expositora: “Cuidar de você é vigiar pensamentos, comportamentos, palavras, relações. É um estado de atenção plena.”

1) Vigiar o campo interno

Somos, por natureza, permeáveis às influências — de encarnados e desencarnados. A vigilância não reprime; discerne. Como lembra Ana Tereza, podemos observar o próprio pensamento (o “dois em um” dos filósofos): notar quando uma ideia não é nossa, quando um humor estranho nos invade, quando uma afirmação interior exige checar a fonte. Essa é a defesa da consciência: escolher a sintonia.

2) Valorizar a disciplina

A disciplina, aqui, não é rigidez punitiva; é hierarquia de valores. O Livro dos Espíritos (questões 704 e 705, sobre a Lei de Conservação) lembra que a natureza traça o limite do necessário, e nós é que inflamamos o supérfluo. Disciplina é atualizar escolhas (o que fazia sentido aos 20 pode já não servir aos 40), dizer não a concessões recorrentes e sustentar o que faz bem à alma — como horários de estudo, oração, serviço e repouso.

3) Examinar as necessidades do coração

A psicologia destaca três necessidades afetivas que, quando desatendidas, inflam a raiva e o resentimento:

  • amor (pertencimento/acolhimento),
  • respeito (ser ouvido, ter limites mútuos) e
  • reconhecimento (ser valorizado pelo que se contribui).

Em equipes espíritas, isso pede diálogos francos e fraternos: menos bilhetes imperativos nas paredes, mais escuta, ajustes de tarefa e feedbacks sinceros. É Evangelho em processo.

O trabalho espírita como via de cura

“A casa espírita não é lugar de perfeitos, mas oficina de almas,” traz Ana Tereza. O serviço no bem é, ele mesmo, terapêutico: organiza a semana, aprimora hábitos, eleva a vibração mental, treina a caridade e transforma a visão de mundo.

Daí a importância de honrar compromissos (horário, preparação, estudo), pedir ajuda quando se está abalado (tomar passe em vez de doar, se for o caso) e reconhecer limites (num dia de grande perturbação emocional, a postura mais caridosa pode ser apoiar silenciosamente a reunião, não psicofonar).

A síntese de Ana Tereza é clara: “O trabalho do bem é a via de redenção que a espiritualidade usa para nosso aprimoramento. Então, em primeiro lugar, precisa ser bom para você.” Não “bom” no sentido de fácil, mas coerente com seu projeto de crescimento — tarefa que o desafia sem o destruir, que o educa sem o esmagar.

As necessidades do coração

Transformar equipes em famílias espirituais requer aprender a nomear o que dói e o que falta. Quando uma companheira explode por ninharias, talvez esteja cansada de não ser ouvida; quando um companheiro se afasta sem explicar, talvez falte reconhecimento pelo seu esforço silencioso; quando surgem comparações e ironias, talvez falte respeito às diferenças de ritmo e estilo.

O antídoto é simples e exigente: conversas fraternas, combinados claros, revisões periódicas de processo, decisões em conjunto — e a coragem de dizer “eu preciso” sem vitimismo, e “eu posso mudar” sem orgulho ferido. Como aprendemos em O Evangelho Segundo o Espiritismo (cap. XVII), o homem de bem é “o que se esforça” — e o esforço é sempre pessoal e relacional.

Portanto, cuidar de si não é luxo individualista; é mandamento apostólico e higiene espiritual para quem deseja servir. No cotidiano, isso se traduz em:

  • Vigiar pensamentos e afetos;
  • Disciplinar rotinas que protegem a alma;
  • Nutrir as necessidades do coração (e as dos irmãos);
  • Sustentar o trabalho no bem como caminho constante de equilíbrio e regeneração.

No horizonte, ecoa o conselho que norteou toda a reflexão: “Tem cuidado de ti mesmo […] e da doutrina. Persevera nestas duas coisas.” E, como sintetizou Ana Tereza, que possamos doar a partir da plenitude — “preenchidos, cuidados, plenos” — para que o amparo que oferecemos seja canal fiel da Misericórdia Divina.

Acompanhe na íntegra a exposição que baseou esta publicação:

**Imagem em destaque via DALL.E do ChatGPT.

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