O tema “Quem tem medo da morte?”, apresentado por Otávio Ernesto, em palestra na Associação Espírita Fé e Caridade inspirou nossa reflexão de hoje.
O desconhecido
Embora uma intuição sussurre em nossos ouvidos de que a vida não se encerra no túmulo, há o medo do que se considera desconhecido. E a morte, para um bom número de pessoas, além de desconhecida é indesejada.
É também uma passagem para um tempo de sofrimento, ou até mesmo o nada, como dizem os materialistas. O que sentimos realmente é dúvida sobre o que nos acontecerá após o desencarne.
Como espíritas, sabemos que a existência terrena é uma passagem, um estágio, como tantos outros que já vivemos e viveremos.
Medo da morte x preservação da vida
Não devemos, porém confundir o medo da morte com nosso instinto de preservação. Esse instinto é natural e saudável, que faz com que enfrentemos as batalhas da vida, cuidemos de nosso bem-estar e do nosso corpo físico. Corpo este que é nossa “casa” emprestada temporariamente para evoluirmos.
O medo da morte, para algumas pessoas, representa um temor constante. O que não é saudável, porque o medo permanente trunca nosso processo de evolução.
O medo, quando descontrolado, transforma a vida dos seres de forma muito negativa. Esse sentimento insistente traz o desequilíbrio espiritual, mental e consequentemente orgânico.
Medo, instrumento antigo
Se olharmos para trás, na história de nosso mundo, veremos que muitos dirigentes, reis e governantes utilizavam desse meio para que as pessoas os obedecessem.
Na religião, muitas utilizaram o caminho do medo para impor certos comportamentos e para mudar formas de pensar. Criavam assim crenças, superstições e preconceitos que não expressavam a realidade.
Todavia, carregamos essa bagagem, ao longo dos séculos, o que também faz parte da evolução da humanidade.
Desvendando o natural
O que traz o medo da morte é, na realidade, o medo do desconhecido. Então, o que devemos fazer para perder esse receio? – Buscar o conhecimento.
Ao adquirirmos certa maturidade, emocional e espiritual, percebemos que nascemos, vivemos e morremos, é a lei natural. E vamos aprendendo a confiar que há um propósito em tudo isso.
Quando começamos a pensar na morte como algo que realmente acontece e faz parte do ciclo evolutivo do ser humano, encontramos uma tranquilidade, que, no momento, é para poucos no planeta.
Ignorância e culpa
Quando a morte está próxima, há uma variação de sentimentos: naturalidade, preocupação ou medo. Depende da evolução espiritual de cada um.
O temor da morte está relacionado a dois fatores básicos: ignorância a respeito da vida no além-túmulo e processos de culpa ou remorso decorrentes da lembrança de atos cometidos durante a existência física.
Ao chegar perto do momento do desencarne, tudo que vivemos nessa encarnação nos vem à mente e, também, a consciência de nossas responsabilidades.
Claro que essa consciência está ligada profundamente ao nível de evolução espiritual do desencarnado. O que é certo é que a culpa é algo que deve ser substituído pela vontade de recomeçar, de trabalhar para evoluir.
Para uma boa “morte” tem que se ter uma boa vida. O que significa que devemos nos preparar para a passagem. E o que nos traz esse preparo é o conhecimento. Mas não só isso, é o conhecimento do bem viver posto em prática. O Evangelho de Jesus é o nosso manual do bem viver, buscar praticá-lo é nosso dever.
Alma, perispírito e corpo físico
Em “O Livro dos Espíritos“, na questão 149, Allan Kardec pergunta:
149 – Em que se transforma a alma no instante do desencarne?
– Volta a ser Espírito, ou seja, retorna ao mundo dos espíritos que ela havia deixado temporariamente.
— O Livro dos Espíritos, questão 149.
E aqui, enquanto encarnados, como somos formados? O livro “Depois da Morte“, de Léon Denis nos ajuda a compreender:
A alma está, durante a vida material, assim como depois da morte, revestida constantemente de um envoltório fluídico, mais ou menos sutil e etéreo, que Allan Kardec denominou perispírito ou corpo espiritual. Como participa simultaneamente da alma e do corpo material, serve de intermediário a ambos.
— Depois da Morte, capítulo 21.
Assim, quando encarnados, somos seres trinos: alma, perispírito e corpo físico. Quando desencarnados, seres duais: alma e perispírito; que são indissolúveis, e constituem o Espírito.
Espíritos somos. Nosso estado muda de encarnados para desencarnados em nossas encarnações sucessivas. Nossa vida como encarnados, como agora, aqui na Terra, está ligada à nossa necessidade de progredir mais rapidamente. Necessidade de desligar-se das nossas dificuldades relacionadas ao egoísmo, inveja e tantos outros sentimentos pouco edificantes. Sentimentos que vamos nos desapegando pouco a pouco, através de nossa vontade e força de trabalho na autotransformação.
Separação da alma e do corpo
155. Como se opera a separação da alma e do corpo?
– Rompidos os laços que a retinham, ela se desprende.
a. A separação se dá instantaneamente por brusca transição? Haverá alguma linha de demarcação nitidamente traçada entre a vida e a morte?
– Não; a alma se desprende gradualmente, não se escapa como um pássaro cativo a que se restitua subitamente a liberdade. Aqueles dois estados se tocam e confundem, de sorte que o Espírito se solta pouco a pouco dos laços que o prendiam. Estes laços se desatam, não se quebram.”
— O Livro dos Espíritos, questão 155 e 155a.
A observação demonstra que, no instante da morte, o desprendimento do perispírito não se completa subitamente. Ele se opera gradualmente e com uma lentidão muito variável conforme a evolução espiritual de cada um.
Assim, o que diferencia o momento da morte para cada ser é a forma como foi vivida a vida aqui na terra. Os liames que nos prendem ao corpo material são desprendidos em maior ou menor tempo, de acordo com o estado do desencarnante.
No momento do desligamento, equipes espirituais vêm para realizar esse processo. Primeiramente desligam o centro vegetativo (abdômen), depois o centro sentimental (coração) e, por fim, em duas etapas, o centro mental (porção cerebral).
Além disso, para alguns, o desencarne é doloroso e cheio de angústias. Para outros, é um sono agradável seguido de um despertar silencioso. A depender do nível evolutivo.
Tenhamos em mente que a maioria dos seres encarnados, quando chegam no momento do desencarne, não estão preparados para esse momento e muitas dificuldades poderão ser vividas não só no desenlace como após esse momento.
O ser mais espiritualizado vive o momento do desencarne de forma mais tranquila. Assim como o materialista, apegado aos prazeres da vida terrena, tem mais dificuldade.
Consciência e responsabilidade
Mesmo com a crença de que temos chance de sanar nossas dívidas pretéritas através da reecarnação, ainda assim temos receio. Isso porque já temos conhecimento, e sabemos que todo débito deverá ser resolvido. Sabemos que a cada encarnação traçamos um plano para a nova existência e que muitas vezes fugimos do planejado, caindo em erro.
O conhecimento nos traz a consciência de nossa responsabilidade e de que nossa “morte” depende de como nós vivemos. Na realidade é simples, mas se torna complexo a partir do momento em que encarnamos e nos deixamos envolver pelas tentações do mundo material.
Cada desencarne é único e diferenciado, inclusive, a consciência do momento da própria morte. Muitos passam muito tempo sem a consciência de que estão desencarnados. Outros já passam esse tempo dormindo porque o choque de se ver desencarnado seria insuportável. E isso, novamente, acontece de acordo com o progresso moral de cada indivíduo e da intensidade do apego à matéria.
O preparo para o desencarne vai acontecendo durante a vida como encarnado, aprendendo e desenvolvendo qualidades do homem de bem, como nos informa “O Evangelho segundo o Espiritismo”.
O medo da morte é proporcional ao nível de evolução. Quanto menos conhecimento e prática desse conhecimento apreendido, mais receio teremos da hora de partir do planeta.
Consolo
Com certeza, todos sentiremos saudades de quem fica, mesmo sabendo que quem tem afinidade e amor, um dia se reencontra. Mas é diferente do medo de quem não crê. É como estar no escuro sem vislumbrar luz. Para quem acredita em Deus e na vida eterna como um caminho de evolução, é consolador.
Aquele que crê e se prepara tem um desligamento muito mais tranquilo e muitos desencarnam com plena consciência do que está acontecendo e, sem muita demora, já estão trabalhando, como foi o caso de Chico Xavier. Chico era frequentemente relatado como “meio encarnado e meio desencarnado”, por ser espiritualizado.
A maioria de nós precisamos ser adormecidos após o desligamento do corpo físico para podermos nos recuperar e continuar o processo de desencarne. Alguns, como jovens após morte violenta, são adormecidos por equipes responsáveis para não entrar em choque ao se verem nessa nova etapa de forma tão brusca. Mas, nada é por acaso na obra Divina. Deus é Misericordioso, Justo e Bom.
Ninguém está abandonado do amor divino. Encontramos, do outro lado, ao desencarnar, uma equipe que irá nos auxiliar no momento do desencarne. E lá, no plano espiritual, amigos e parentes estarão conosco no momento certo para nos auxiliar a prosseguir.
Conhecer, conscientizar-se e viver
Nos preparamos para a morte com a nossa própria vida, nos desvencilhando de nossos vícios mentais, sentimentais e físicos. Evoluímos a cada passo, primeiramente através do estudo e da leitura.
Vários livros nos orientam sobre como é o desencarne e a vida no plano espiritual, como vemos nas obras básicas, em especial em “O Céu e o Inferno” e “O Livro dos Espíritos“. Vale citar também as obras de André Luiz, psicografadas por Chico Xavier. Bem como, as cartas escritas para Chico Xavier, citadas no livro “Nossa vida no Além” de Marlene Nobre. Esses são exemplos, dentre as várias informações passadas pelos Espíritos sobre o desencarne.
Conhecer é o mecanismo para que possamos ter mais conscientização e diminuir nosso receio do momento da morte, da vida após a morte, e da falta que sentimos dos nossos queridos que aqui ainda ficarão. Somos também auxiliados pelas orações dos que nos amam, tanto encarnados quanto desencarnados. Essas orações nos fortalecem nas boas ações.
A reconciliação, o perdão e a paz de consciência deve ser o nosso visto de entrada no plano espiritual. E o mais lindo de tudo é que sempre teremos auxílio, sempre podemos recomeçar. É assim com Deus, nosso querido e amado Pai que enviou seu filho Jesus para deixar demonstrações e palavras de bem viver.
Quanto amor recebemos a cada instante de nossas vidas! De encarnação a encarnação vamos nos melhorando, colocando em prática todas as lindas lições aprendidas. E, assim, perdendo o medo, em busca de um lugar que é feito de amor, compreensão, perdão e agradecimento.
Acompanhe a íntegra da palestra que inspirou esta publicação:
REFERÊNCIAS:
- BÍBLIA DO CAMINHO / Estudos Espíritas. Roteiro 1.
- ENTREVISTA MARLENE NOBRE (gravada antes do dia 05/01/2015, data do falecimento da Dra. Marlene Nobre).
- EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO. Cap. XVII. item 3.
- DENIS, Léon. Depois da Morte.
- LIVRO DOS ESPÍRITOS. Questão 149 e 155.
- NOBRE, Marlene. Nossa vida no além.
*Colaborou para esta publicação: Susana Rodrigues.
**Imagem em destaque via pixabay.com