Estando sempre às voltas com o processo de renovação interior, com essa vontade de crescer espiritualmente, sempre dificultada pelas próprias conjunções da vida terrena, não podemos perder de vista os exemplos marcantes de vida. São criaturas que registraram suas marcas no mundo a ponto de se tornarem luzes norteadoras, como Paulo de Tarso.
No processo de mudanças não devemos temer parâmetros elevados que são, naturalmente, os mais difíceis de fazer. Porém, temos que nos nortear por exemplos que chamamos “de cima”, contundentes. Esses exemplos são pessoas, que passaram pelo mundo como estamos passando agora. Não foram escolhidas por Deus, a priori, para se tornarem mais espiritualizadas. Trabalharam para isso, e com muito afinco.
Paulo de Tarso
Veja-se o binômio Saulo x Paulo, tomando esse exemplo que não é novidade para nós. Mas que sempre merece ser lembrado.
Saulo sempre foi arrojado, empreendedor, defensor de suas idéias que acreditava serem as únicas. Em nome delas, ia a consequências extremas, repudiando um movimento nascente que se fazia Sol do mundo.
Esse movimento tinha urgência, as idéias do Cristianismo precisavam ser plantadas. Aquela criatura era a mais indicada para derteminadas tarefas. Jesus precisava dela, mesmo porque, provavelmente, já havia esse compromisso firmado entre ambos no plano espiritual.
Com Saulo, talvez as coisas seriam mais fáceis. Já havia consolidado o seu espaço no mundo material. Era apenas dar continuidade às expressões de sua inteligência aguçada.
Os compromissos existem, porém Deus tem esperanças em nós, investe nas suas criaturas para serem ajudantes na obra da Criação. Estas, no mínimo, precisam esforçarem-se para a correspondência, em pensamentos e atos, à dignidade do trabalho.
Convite aceito
Para aquela personalidade forte, haveria de ser um chamamento forte. O próprio Cristo se fez presente. Hoje o Cristo se faz presente para nós através das oportunidades, das pessoas, dos lances de novos conhecimentos, etc. Se o Seu encontro com Saulo ensejou a sua renovação, por que não aconteceria conosco?
Paulo, como tantos outros, não foi abstração evangélica. Antes dele e, ao longo dos séculos, até hoje, identificamos essas criaturas que cresceram sem nenhuma mágica, mas com lutas, esforços, dificuldades extremas e são vencedoras.
Dá trabalho todas as conquistas? Dá. Assim como dá trabalho nos prepararmos para a vida material: estudar, trabalhar, nos especializar em determinada tarefa, cuidar do corpo.
Saulo não era dado a facilidades. Sempre foi obstinado, dedicado ao seu mister de homem da lei, estudioso, trabalhador. Não se rendia, nem fraquejava. Sua presença era forte, ainda que comprometida, espiritualmente.
Operou-se milagre em Saulo? Não. Cristo deu-lhe o primeiro impulso, acordou o outro lado, adormecido, mas o próprio Paulo encarregou-se da continuidade do trabalho.
Modificou-se-lhe a personalidade? Não. Continuou guerreiro de idéias, mas canalizou o temperamento agressivo para a batalha da causa cristã. Temos notícias de sua coragem na semeadura. Dedicou-se a organizar a idéia renovadora utilizando as suas armas culturais da época, deslocou-se incessantemente.
Combate íntimo
Havia hostilizações ambientais, assim como, havia lutas interiores, como Paulo expõe na Epístola aos Romanos:
“Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado.
Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro e, sim, o que detesto.
Ora, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa.
Neste caso, quem faz isto já não sou eu mas o pecado que habita em mim.
Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem.
Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço.
— Romanos, 7: 14-19.
Não pense que após o encontro com o Cristo “morreu” Saulo e santificou-se Paulo. Não. Ele conquistou, no apostolado, no trabalho, na dedicação, a sua espiritualização maior. Contava com uma fé e coragem incríveis.
Descobrir valores espirituais não é tarefa fácil, mas Paulo conseguiu identificar os seus, vivendo naquele ambiente hostil. Era um leão, no bom sentido. Hoje, nosso ambiente externo é melhor, muitas facilidades nos ajudam a viver. Algumas pessoas sofrem suas agruras antes de despertarem para a luz. Outras, contudo, já descobrem ideias renovadoras, naturalmente, num processo normal de vida.
De um modo geral, temos mais disponibilidades, mais informações. Paulo viveu sem essas disposições, mas venceu. Foi um cantor que consagrou-se utilizando somente o recurso da própria voz, sem orquestras refinadas, talvez, quando muito, com um violão simbólico: o amor!
Mudar dá trabalho, mas é libertador!
Todos fomos criados para evoluir. Arbitramos nossos caminhos, mas marchamos rumo à perfeição, ao encontro com o Pai. Se quisermos continuar como Saulo, teremos nosso despertar, sim, mas sofreremos mais. Perderemos tempo, criaremos situações delicadas que, por lei natural, teremos que reparar.
Optando por sermos Paulo, sabemos das dificuldades, sabemos dos conflitos interiores, sabemos das tentações a que nos expomos, sabemos dos riscos da incompreensão. Mas sabemos também dos benefícios, que iremos descobrindo ao longo do caminho. Sabemos que as conquistas angariadas no combate ao homem velho são nossas, passam a fazer parte do nosso território espiritual.
Voltados para realizações nobres, contaremos sempre com a presença dos amigos espirituais que traduzem a presença do Cristo. Paulo nunca esteve sozinho.
Quando pensamos em lutas, conquistas, coragem, firmeza, fé, trabalho, pensamos em Paulo. Não havia tempo para desânimos, tristezas, frustrações, depressões. Havia criaturas necessitadas da caridade, que Paulo qualificava como envolvimento entre as pessoas, havia necessidade de despertar esse mundo.
O que mais fazer senão andar como filhos da luz?
Saiba mais sobre o processo de transformação moral de Paulo de Tarso, acompanhando a palestra:
Colaborou para esta publicação: Maria Thereza Carreço de Oliveira.
** Imagem em destaque via Meisterdruke. Tela de Rembrandt “O Apóstolo Paulo”.