“Porque o amor cobre a multidão de pecados”
Homenagem a Kardec
Há 156 anos, no dia 31 de março de 1869, desencarnou Allan Kardec, codificador da Doutrina Espírita. Em alusão a esta data, no dia 31 de março de 2025, a expositora Julia Fertig, recitou o poema Homenagem a Kardec, que fora extraído do livro Fonte de Paz:
A Cultura atingira o apogeu da descrença,
Imergira-se o Templo em fumo de vanglória
E, embora fosse o Cristo a eterna luz da História,
Afligia-se a Terra em sombra espessa e imensa.A Civilização padecia a presença.
De soberano caos em púrpura irrisória,
Sob a pompa do verbo esfervilhava a escória
Da cegueira e do escárnio a erguer-se em treva densa.Mas Kardec domina a enorme noite humana
E traz no Espiritismo a Fé que se engalana,
Ao fulgor da Razão generosa e sincera…O Evangelho ressurge. O Céu brilha de novo.
E Jesus, retornado ao coração do povo,
Acende para o mundo o Sol da Nova Era.
— livro Fonte de Paz, psicografia de Chico Xavier, pelo Espírito Amaral Ornellas.
Em singela homenagem, fez a leitura do trecho final da Revista Reformador, com o tema O Codificador. Onde Kardec responde ao Espírito Verdade quando soube que seria o responsável pela codificação da Doutrina Espírita:
Agradeço os teus sábios conselhos. Aceito tudo sem restrição e sem ideal preconcebido. Senhor já que te dignaste lançar os olhos sobre mim para cumprimento dos teus desígnios, faça-se a tua vontade. A minha vida está nas tuas mãos. Dispõe do teu servo. Reconheço a minha fraqueza diante de tão grande tarefa. A minha boa vontade não desfalecerá, mas talvez as minhas forças me traiam. Supre a minha deficiência. Dá-me as forças físicas e morais que me forem necessárias. Ampará-me nos momentos difíceis e com o teu auxílio e o amparo dos teus celestes mensageiros, tudo farei para corresponder aos teus desígnios.
— Revista Reformador, O Codificador, de outubro de 2018.
Por isso, quando acharmos que não temos tempo para fazer determinada tarefa. Ou que não temos evolução moral o suficiente. Que possamos lembrar do codificador. Que tenhamos, pelo menos, a boa vontade. Que todo o resto nos será acrescentado sempre que quisermos caminhar no bem.
Introdução: consciência e culpa
O tema em questão, consciência e culpa, são dois assuntos que vem à tona quando se pensa na cura para as dores da alma. Não as dores do corpo físico, mas as dores da alma. Esta reflexão é baseada no livro Evangelho: Conversão e Cura, de Alcione Peixoto – educadora, atriz, articulista e expositora espírita. A autora traz a história de diversos personagens da Boa Nova de Jesus, e ao contar a história, faz comentários relacionados com a nossa vida.
A história escolhida para falar sobre consciência e culpa, foi a de Maria de Magdala, que fora transcorrida há dois mil anos atrás. Maria de Magdala era uma mulher muito bonita, jovem, decidida e com um temperamento muito forte. Considerada a frente do seu tempo, se sustentava, vivia sozinha em meio ao luxo e prazeres, sempre acompanhada de muitos homens, mas não era feliz. Após as noites de prazeres, todos os dias de manhã a consciência falava mais alto: faltava algo, faltava o amor.
No livro, a autora descreve que “O sol parece nos inquirir a respeito da validade da noite, assim como a luz nos revela as intensas rudezas que as trevas escondem”. A expositora Julia Fertig faz uma analogia comparando este sol com o Evangelho de Jesus nas nossas noites, reconhecidas pelos momentos de dificuldades, aqueles momentos que não se sabe como prosseguir ou superar. No entanto, o evangelho é este sol, que mostra que sim, que é possível fazer diferente. Assim, diariamente Maria de Magdala enfrentava a luz do sol na própria consciência, a questioná-la quanto ao sentido de sua própria vida.
A Consciência
Fazendo menção a Jorge Elarrat – palestrante e divulgador da doutrina espírita – fala sobre o objetivo de estar encarnado na terra: de ser feliz. Muitas vezes, pensa-se que é para pagar aquilo que se fez de mal na encarnação passada, para sofrer, para ter dor. Contudo, para ser feliz existe uma condição: Amar. E é por isso que, muitas vezes, não se é feliz, pois ainda não se consegue amar da forma como Jesus ensinou. E como saber quando se está amando ou não? Toda vez que não se segue a lei de Deus, que é a lei do amor, é quando se sente infeliz, quando não dá certo, quando sai do caminho, do rumo.
Existe algo que ajuda a não esquecer das leis de Deus, que é a consciência, inerente ao ser humano. Um exemplo comum, é quando coloca-se a cabeça no travesseiro, e vem pensamentos reflexivos das ações realizadas, do que se fez ou deveria ter feito. Em O Livro dos Espíritos, questão 621, Kardec faz a pergunta “Onde está escrita a Lei de Deus?” A que os espíritos respondem: “Na consciência.” Já Emmanuel – espírito guia e mentor de Chico Xavier – fala que a consciência é uma bússola moral orientadora do que é certo e/ou errado a se fazer. Basta querer ouvir a voz da consciência, que está sempre presente, e sempre guiará no melhor proceder.
Maria de Magdala e sua conciência
Enquanto isso, Maria de Magdala sabia que algo não ia bem, embora continuava com os mesmos hábitos e tendências intensificados por influências de espíritos adoecidos, na busca por prazer, a fim de adormecer-lhe a consciência. O que evitaria o encontro mais íntimo consigo mesma, retardando a necessária autoanálise e os momentos de lucidez. Mesmo reconhecendo a necessidade de mudança de Maria de Magdala (e nos dias atuais), haverá resistência e intensificação das influenciações para manter os maus hábitos, se fazendo necessário persistir e criar novos e bons hábitos. Como por exemplo, fazer uma caminhada ao ar livre, olhar o sol, ligar para um amigo para ter uma conversa salutar. É ir mudando e persistindo dia após dia.
De fato, Madalena ou Maria de Magdala reconhecia, pelos maus hábitos, que não estava bem. Ela ouviu falar de Jesus, que fazia curas do corpo e da alma, que era muito amoroso e muito constante em sua fala. Então ela reuni forças e recursos para se enfrentar e se libertar da situação de infelicidade, e vai ao encontro de Jesus, o que não foi fácil. Na ocasião, Jesus estava na casa de Simão Pedro. Madalena abre a porta, entra correndo em direção a Jesus e se ajoelha aos pés dele. Momento descrito detalhadamente no livro Boa Nova. Conta para Jesus tudo o que estava sentindo e no final pergunta: “Eu quero te seguir, mas será que Deus me aceitaria?” E Jesus responde:
Acaso poderias pensar que alguém no mundo tivesse condenado ao pecado eterno? Onde então o amor de nosso pai? Nunca viste a primavera a dar flores sobre uma casa em ruínas? As ruínas são as criaturas humanas, porém as flores são as esperanças em Deus. Sobre todas as falências e desventuras próprias do homem, as bênçãos paternais de Deus descem e chamam. Sentes hoje esse novo sol a iluminar-te o destino. Caminha agora sob a sua luz, porque o amor cobre a multidão de pecados.
— livro Boa Nova, capítulo 20, psicografia de Chico Xavier, pelo Espírito Humberto de Campos.
A conversa deles é muito linda! Julia Fertig traz esse trecho porque estava falando sobre consciência, equívocos e dores da alma. Reconhecendo também os erros nos dias atuais e nas encarnações anteriores. Hoje, de certo, encontramo-nos na nossa melhor versão, pois nunca fomos tão bons como fomos agora.
A Culpa
Mesmo que não recordemos, trazemos conosco a culpa, porque erramos em algum dado momento das existências. E, muitas vezes, lá no inconsciente sentimos que não somos merecedores de sermos felizes, que nós temos mesmo é que sofrer, que não merecemos nos curar.
No trecho descrito do livro Boa Nova, Jesus falou para Maria de Magdala, e também para nós a todos os instantes, de que não estamos condenados a nenhum erro, por pior que seja. Vamos ter de reparar, sim. Temos a oportunidade de estar aqui reencarnando de novo para ser feliz. E toda vez que está difícil, quando ocorrem muitos erros, Julia recorda da frase: “Nunca viste a primavera dar flores sobre uma casa em ruína”. Somos como ruínas, podemos estar despedaçados e brotar flores, seguindo os exemplos do Mestre Jesus.
Não adianta se paralisar na culpa daquilo que se fez errado, porque ela é estéril e nociva. Não vai nos levar a nada. Ela fará com que se gaste energia em algo inútil. E não sobrará energia para se arrepender, o que é importante é reparar, fazer diferente e mudar. É preciso renovar a visão sobre os erros. E ao invés de se condenar por ter errado, olhar como uma nova possibilidade. Um caminho novo a frente para fazer diferente hoje a amanhã.
Reparar amando e trabalhando
É fácil falar, difícil é fazer. Então é importante saber como fazer diferente, como se deve lidar com a culpa. Maria de Magdala nos ensinou a como lidar com a culpa, seguindo na luta cristã, buscando redimir suas culpas no trabalho para uma nova manhã.
É um caminho só: trabalhando. Não só o trabalho remunerado, mas é o trabalho no bem. O trabalho olhando para a dor dos outros, pois toda vez que olhamos para a dor do outro, também curamos a nossa própria dor. Não é apagar as lembranças do que aconteceu, porque é quase impossível. É não permitir que essas lembranças nos escravizem e que fiquemos presos nesses momentos de erro e de culpa.
Emmanuel fala sobre a culpa também:
Espíritos culpados! Somos quase todos. A Perfeita Justiça porém, nunca se expressa sem a Perfeita Misericórdia e abre-nos a todos, sem exceção, o serviço do bem, que podemos abraçar na altura e na quantidade que desejarmos, como recurso infalível de resgate e reajuste, burilamento e ascensão.
Atendamos às boas obras quanto nos seja possível. Cada migalha de bem que faças é luz contigo.
— livro Justiça Divina, capítulo 11, Culpa e reencarnação, psicografia de Chico Xavier.
Então é o trabalho no bem, mas não precisa ser coisas miraculosas, grandiosas. Na verdade, é naquilo que se pode e é possível fazer. É no dia a dia. Às vezes é no silêncio, para a harmonia do ambiente que se está inserido.
As dores da alma são bem desafiadoras e ao mesmo tempo, nos fazem nos aproximar do Evangelho de Jesus. Foram elas que impulsionaram Maria de Magdala a ir procurar Jesus. E por isso, mesmo sendo difícil, é possível agradecer a essas dores.
Conversão de Maria de Magdala
Maria de Magdala depois de ter esse encontro com Jesus, decidiu seguí-lo para todo o sempre. Ela se converteu, saindo de uma vida completamente materialista e passou a seguir Jesus. Não foi fácil. Ela ficou sozinha, sem o apoio das pessoas que outrora se relacionava, como também os próprios seguidores do Evangelho de Jesus, porque não acreditavam muito na conversão dela.
A primeira a reencontrar Jesus
No momento que Jesus foi crucificado, muitos fugiram por medo de serem crucificados também. Assim, ao pé da cruz estavam apenas João, Maria (mãe de Jesus) e Maria de Magdala. No dia seguinte, Maria de Magdala foi até o sepulcro, abriu a pedra e não encontrou nada. Ela fica desesperada, porque não encontrara o corpo do Mestre para prestar homenagem. E nesse momento, aparece Jesus e fala naquela voz inconfundível dele e chama ela pelo nome Maria. Ela se vira, reconhece na hora e responde, Rabôni, que significa “meu Mestre” e só ela o chamava assim. Chico Xavier fala que Jesus sabe o nome de cada ser, porque acompanha os passos, a vida de cada um.
Remando contra a corrente
Maria faz de Jesus o condutor de sua alma, de sua vida, seguiu trabalhando sozinha, mas junto a Cristo. Ela voltou correndo para contar para Pedro, para os discípulos que Jesus tinha voltado, que Ele estava vivo. Apenas Maria de Nazaré acreditou. Depois Jesus aparece para Pedro e seus discípulos. Como eles sairiam em viagem para divulgar o Evangelho, Maria de Magdala vai até eles pedindo para ir junto com eles, mas eles dizem que não, que não acreditavam na mudança dela. Que não poderia vir com eles, porque ninguém acreditaria também.
Atendendo ao chamado da porta estreita
Maria de Magdala fica e segue sozinha, até que passa um grupo de leprosos, como eram chamados na época, perguntando sobre onde estava Jesus. Ela observa e entende que ali com o grupo seria o trabalho dela. Fala sobre o Evangelho de Jesus por alguns anos, até que adoece também, e depois certo tempo desencarna no leito. E se vê lá no lago, junto a Jesus e passarinhos. Jesus fala: “Maria passaste pela porta estreita. Tu muito amaste, agora venha comigo que eu te espero aqui”. Jesus busca ela para seguir no seu reino.
Roteiro de Luz: florescendo sobre ruínas
Por fim, o caminho que nos leva a Jesus, tem um único roteiro, e este roteiro passa obrigatoriamente pelo amor aos outros seres humanos. Porque costumamos entender os sentimentos alheios a partir do nosso próprio sentir. Emmanuel nos fala que Maria de Magdala representa os exemplos daqueles que cometem equívocos muito graves, mas que conseguem ao toque do amor de Jesus se reajustar perante a Lei de Deus e se voltar para o bem. Então quando decidimos seguir Jesus, como Maria de Magdala fez, deixando para trás maus hábitos, posturas e sentimentos, com muita oração, e ajuda dos anjos da guarda, estaremos no processo de renovação junto ao Evangelho de Jesus.
E sempre que estiver difícil, que as dores da alma falem mais alto que a consciência, que lembremos da primavera da fala de Jesus. São essas flores o Evangelho de Jesus, perante as ruínas. A primavera sempre vem. O que importa é o que nos tornamos e o que buscamos ser.
Acompanhe agora a íntegra da palestra que inspirou esta publicação:
Referências bibliográficas
- AEFC. Consciência e Culpa.https://www.youtube.com/watch?v=GouxEmU40Cc&ab_channel=aefcfloripa Acesso em 24/04/2025.
- Fonte de Paz. Homenagem a Kardec https://centroespiritachicoxavier.org.br/livros/143.pdf acesso em 21/04/2025.
- Revista Reformador. O Codificador. Outubro de 2018. https://app.docvirt.com/revreform/pageid/52369 Acesso em 21/04/2025.
- PEIXOTO, Alcione. Evangelho: Conversão e cura. Casas Fraternais o Nazareno. 2012.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. https://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2012/07/WEB-Livro-dos-Esp%C3%ADritos-Guillon-1.pdf Acesso em 24/04/2025.
- CAMPOS, Humberto. Boa Nova. https://www.oconsolador.com.br/linkfixo/bibliotecavirtual/chicoxavier/boanova.pdf Acesso em 24/04/2025.
*Colaborou para esta publicação: Maria Gabriela Rocha.
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