A revelação de Santo Agostinho

Sentindo-se deprimido e angustiado, Agostinho estava à procura do real sentido da vida. Após ler um trecho escrito pelo Apóstolo Paulo, sente uma luz a inundar-lhe o coração, dissipando todas as trevas da incerteza.

Nos estudos do evangelho, nos deparamos com inspiradoras histórias de vida de venerandos Espíritos. Em suas recentes encarnações, foram homens e mulheres admiráveis que, por serem servidores fiéis de Jesus Cristo, impactaram milhões ou mesmo bilhões de corações com suas palavras e ações caridosas. Por vezes podemos pensar que seriam bem-aventurados, construídos de fibra diferente da nossa, tamanha a fé que demonstram e que nos constrange observar. 

Afirma Emmanuel no capítulo 145 do livro Palavras de Vida Eterna, psicografado por Francisco Candido Xavier:

Em muitas ocasiões, admitimos erroneamente que os grandes vultos do Cristianismo terão obtido privilégios nas Leis Divinas; entretanto, basta a reflexão nas realidades do Evangelho, para que nos capacitemos da sem-razão de semelhante conceito.
— do livro Palavras de Vida Eterna, capítulo 145.

Ou seja, personalidades do tamanho de Pedro, Paulo, e dos próprios Emmanuel e Joanna de Ângelis são Espíritos criados simples e ignorantes, conforme vemos na questão 115 de O Livro dos Espíritos. Todos, sem exceção, precisaram conquistar toda a sabedoria, amor, fé e demais virtudes que hoje nos convidam a adquirir. 

Conhecer como se deu o despertar desses grandes nomes pode ser revelador, especialmente para nós que estamos dando os primeiros passos rumo ao autoconhecimento e à reforma íntima. É particularmente inspirador o caso de Santo Agostinho.

Quem foi Santo Agostinho

Aurelius Agustinus Hipponensu nasceu no ano de 354 em Tagaste, antiga cidade de Numídia, norte de África. Sua mãe é Mônica de Hipon, devota cristã que exerceu grande influência na conversão dele e de seu pai, Patricius Aurelius, que era pagão e de origem romana. Mas tais conversões ocorreriam apenas décadas após o nascimento de Agostinho, e somente após vivências marcantes.

Com 17 anos Agostinho foi para Cartago estudar Retórica. Lá ele se identificou com a doutrina maniqueísta, que enxerga no mundo duas forças iguais e opostas: o bem e o mal. Tal visão era veementemente negada pelos cristãos. Nessa fase, começa também a seguir a filosofia hedonista, que tem o prazer como fim absoluto da vida.

Em Cartago, Agostinho passou a viver com uma mulher, um relacionamento que viria a durar treze anos. Na sociedade romana do século IV, relacionamentos como este eram tidos como uma espécie de casamento, embora não fossem reconhecidos por lei. Desta relação nasceu um menino, de nome Adeodato. Agostinho cuidou do filho, cercando-o de amor e ternura, com atenção especial ao seu desenvolvimento intelectual. Adeodato vem a desencarnar prematuramente, aos 19 anos, de causa desconhecida.

O despertar de Santo Agostinho

Aos 29 anos Agostinho muda-se para Roma para lecionar Retórica em um ambiente que seria na sua compreensão mais tranquilo que o de Cártago. Lá participa de uma seleção para dar aulas em Milão e, ao ser aprovado, parte para a cidade no ano seguinte. 

Chegando a Milão, visita Bispo Ambrósio e se encanta com sua recepção paternal. Passa a ouvir suas pregações, primeiro para estudar a eloquência em função de sua reputação oratória, mas acaba por comover-se com o conteúdo religioso. 

Agostinho segue vivendo em meio a excessos também em Milão e nessa época relata sentir em sua alma uma vibração estranha que o chamava para si mesmo. Conforme escreveu o professor de filosofia da UFRJ José Américo Motta Pessanha, na abertura da obra sobre Santo Agostinho para a coleção “Pensadores” da editora Nova Cultural: 

Em Milão, num dia qualquer de agosto de 386 da era cristã, um homem de 32 anos de idade chorava nos jardins de sua residência. Deprimido e angustiado, estava à procura de uma resposta definitiva que lhe desse sentido para a vida. Nesse momento ouviu uma voz de criança a cantar como se fosse um refrão: “Toma e lê, toma e lê”. Levantou-se bruscamente, conteve a torrente de lágrimas, olhou em torno para descobrir de onde vinha o canto, mas não viu mais que um livro sobre uma pequena mesa. Abriu e leu a página caída por acaso sob seus olhos: “Não caminheis em glutonarias e embriaguez. não nos prazeres impuros do leito e em leviandades, não em contendas e emulações, mas revesti-vos de Nosso Senhor Jesus Cristo, e não cuideis da carne com demasiados desejos”.
Não quis ler mais. Uma espécie de luz inundou-lhe o coração, dissipando todas as trevas da incerteza e ele correu à procura da mãe para lhe contar o sucedido. Ela exultou e bendisse ao Senhor, pois o filho estava convertido pelas palavras de Paulo de Tarso, e as portas da bem-aventurança eterna abriam-se finalmente para recebê-lo.
— por José Américo Motta Pessanha em “Vida e Obra de Santo Agostinho”, coleção “Os Pensadores”.

Santo Agostinho dizia que sua mãe o havia gerado duas vezes. A primeira na carne para a luz temporal e a segunda no coração para luz eterna. O caminho para sua salvação havia sido preparado com muito amor e a mãe, Mônica, viria a ser canonizada pelo Papa Alexandre lll por ter sido a responsável pela conversão do filho.

O filósofo Santo Agostinho

Uma vez convertido, Agostinho mantém sua produção científica. Ele viria a ser um dos mais prolíficos autores latinos em termos de obras sobreviventes. A lista de seus trabalhos tem mais de 200 títulos diferentes compilados em diversas obras, sendo Confissões e Cidade de Deus as mais conhecidas. 

Dessa forma, ciência, filosofia e religião, os elementos que ficariam conhecidos 15 séculos depois como o tríplice aspecto da Doutrina Espírita, já aparecem nos estudos e registros de Santo Agostinho.

É preciso compreender para crer e crer para compreender.
— Santo Agostinho.

Para ele, a fé é a percepção de ter sido tocado de alguma forma por Deus. Essa percepção muda a forma de pensar e a forma de viver. Para Santo Agostinho, a fé incentiva a inteligência. O pensamento é condição que promove e fortalece a fé.

Outros fundamentos da Doutrina Espírita que aparecem nos trabalhos de Santo Agostinho são: a imortalidade da alma, existências de outros mundos, outros corpos e a necessidade do autoconhecimento. Agostinho dizia que se Deus achasse conveniente que os homens se comunicassem com os mortos, Ele permitiria. 

Depois da morte de sua mãe, Agostinho registrou no livro Confissões:

Eu estou persuadido de que minha mãe voltará a me visitar e me dar conselhos revelando-me o que nos espera na vida futura.
— Santo Agostinho.

Santo Agostinho e a Codificação Espírita

Santo Agostinho desencarnou aos 76 anos, no ano de 430. Já no plano espiritual, ele veio a participar da codificação da Doutrina Espírita, ocorrida no século XIX, compondo a equipe do Espírito da Verdade junto a São João Evangelista, São Vicente de Paulo, São Luís, Sócrates, Platão, Fénelon, Franklin, Swedenborg, e outros. 

No item 11 do primeiro capítulo de O Evangelho Segundo O Espiritismo, Kardec registra uma mensagem do espírito Erasto, discípulo de São Paulo:

Santo Agostinho é um dos maiores vulgarizadores do Espiritismo. Manifesta-se quase por toda parte. A razão disso, encontramo-la na vida desse grande filósofo cristão. Pertence ele à vigorosa falange dos Pais da Igreja, aos quais deve a cristandade seus mais sólidos esteios. Como vários outros, foi arrancado ao paganismo, ou melhor, à impiedade mais profunda, pelo fulgor da verdade. Quando, entregue aos maiores excessos, sentiu em sua alma aquela singular vibração que o fez voltar a si e compreender que a felicidade estava alhures, que não nos prazeres enervantes e fugitivos; quando, afinal, no seu caminho de Damasco, também lhe foi dado ouvir a santa voz a clamar-lhe: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” exclamou: “Meu Deus! Meu Deus! perdoai-me, creio, sou cristão!” E desde então tornou-se um dos mais fortes sustentáculos do Evangelho.
— Erasto, em O Evangelho Segundo O Espiritismo.

Há uma série de registros de Santo Agostinho da Revista Espírita e nas primeiras obras da codificação, em específico nos temas listados abaixo.

O Livro dos Espíritos

  • Prolegômenos
  • Anjos Guardiões, espíritos protetores, familiares ou simpáticos
  • Conhecimento de si mesmo
  • Conclusão

O Livro dos Médiuns

  • Acerca do Espiritismo 
  • Sobre as Sociedades Espíritas

O Evangelho Segundo o Espiritismo

  • Mundos Regenerados
  • Progressão dos mundos
  • O mal e o remédio
  • O Duelo
  • A ingratidão dos filhos e os laços de família
  • Alegria da Prece

A mais conhecida mensagem de Santo Agostinho ficou registrada na questão 919 de O Livro dos Espíritos:

Fazei o que eu fazia da minha vida sobre a Terra: ao fim da jornada, eu interrogava minha consciência, passava em revista o que fizera, e me perguntava se não faltara algum dever, se ninguém tinha nada a se lamentar de mim. Aquele que cada noite lembrasse todas as ações da jornada e perguntasse o que fez de bem ou de mal, pedindo a Deus e ao anjo Guardião para esclarecer, adquiriria uma grande força para se aperfeiçoar, porque, crede-me, Deus o assistiria. Questionai, portanto, e perguntai-vos o que fizestes e com o qual objetivo agistes em tal circunstância; se fizestes alguma coisa que censurais em outrem; se fizeste uma ação que não ousaríeis confessar. Perguntai-vos ainda isto: se aprouvesse a Deus que me chamar neste momento, reentrando no mundo dos espíritos, onde nada é oculto, eu teria o que temer diante de alguém? Examinai o que podeis ter feito contra Deus, contra o vosso próximo, e enfim, contra vós mesmos. As respostas serão um repouso para vossa consciência ou a indicação de um mal que é preciso curar.
— Santo Agostinho.

Acompanhe na íntegra a palestra que inspirou esta publicação:

Fontes:

  • AGOSTINHO. Confissões. Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de Guillon Ribeiro. 125. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006.
  • KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. 89. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007.
  • FEBnet
  • Casa do Caminho

*Colaborou para esta publicaçao: Emilia Chagas.

**Imagem em destaque: A conversão de Santo Agostinho (por Fra Angelico, 1430).

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