Quando é difícil conviver

Estamos junto daqueles com os quais temos grande dificuldade em conviver. Se ficamos desatentos observando os outros, esquecemos da principal tarefa: melhorar a nós mesmos.

O que estamos fazendo com as nossas vidas? Por que muitas vezes as coisas parecem que não engrenam? Não funcionam? Por que as palavras das pessoas nos afetam e machucam tanto? Sabemos que a situação que o outro vive não é de responsabilidade nossa. Ainda assim, vamos sofrendo, nos penalizando, angustiando e transformando muitas vezes esse corpo que Deus nos concedeu em doença, dores e sofrimento. 

Para tratar deste tema, a palestrante Vladia Kunz iniciou sua exposição nos canais digitais da Associação Espírita Fé e Caridade com uma das lições ensinadas por Jesus em reuniões na casa de Simão Pedro. 

O trecho foi extraído do capítulo 36 da obra “Jesus no Lar”, de Francisco Cândido Xavier pelo espírito de Neio Lúcio. 

Entre os comentários da noite, um dos companheiros mostrou-se interessado em conhecer a questão mais difícil de resolver, nos serviços referentes à procura da Luz Divina. Em que setor da luta espiritual se colocaria o mais complicado problema? Depois de assinalar variadas considerações, ao redor do assunto, o Mestre fixou no semblante uma atitude profundamente compreensiva e contou: — Um grande sábio possuía três filhos jovens, inteligentes e consagrados à sabedoria. Em certa manhã, eles altercavam a propósito do obstáculo mais difícil de vencer no grande caminho da vida. No auge da discussão, prevendo talvez consequências desagradáveis, o genitor benevolente chamou-os a si e confiou-lhes curiosa tarefa. Iriam os três ao palácio do príncipe governante, conduzindo algumas dádivas que muito lhes honraria o espírito de cordialidade e gentileza.
O primeiro seria o portador de rico vaso de argila preciosa.
O segundo levaria uma corça rara.
O terceiro transportaria um bolo primoroso da família.
O trio fraterno recebeu a missão com entusiástica promessa de serviço para a pequena viagem de três milhas; no entanto, a meio do caminho, principiaram a discutir. O depositário do vaso não concordou com a maneira pela qual o irmão puxava a corça delicada e o responsável pelo animal dava instruções ao carregador do bolo, a fim de que não tropeçasse, perdendo o manjar; este último aconselhava o portador do vaso valioso, para que não caísse.
O pequeno séquito seguia, estrada afora, dificilmente, porquanto cada viajor permanecia atento as obrigações que diziam respeito aos outros, através de observações acaloradas e incessantes. Em dado momento, o irmão que conduzia o animalzinho olvida a própria tarefa, a fim de consertar a posição da peça de argila nos braços do companheiro, e o vaso, premido pelas inquietações de ambos, escorrega, de súbito, para espatifar-se no cascalho poeirento. Com o choque, o  distraído orientador da corça perde o governo do animal, que foge espantado, abrigando-se em floresta próxima. O carregador  do bolo avança para sustar-lhe a fuga, internando-se pelo mato a dentro, e o conteúdo de prateada bandeja se perde totalmente no chão.
Desapontados e irritadiços, os três rapazes tornam à presença paterna, apresentando cada qual a sua queixa e a sua derrota. O sábio, porém, sorriu  e explicou-lhes:
‘— Aproveitem o ensinamento da estrada. Se cada um de vocês estivesse vigilante na própria tarefa, não colheriam as sombras do fracasso. O mais intrincado problema do mundo, meus filhos, é o de cada homem cuidar dos próprios negócios, sem intrometer-se nas atividades alheias. Enquanto cogitamos de responsabilidades que competem aos outros, as nossas viverão esquecidas.’
Jesus calou-se, pensativo, e uma prece de amor e reconhecimento  completou a lição.
— do livro Jesus no Lar, capítulo 36.

A história contada por Jesus nos faz refletir em quanto tempo passamos cuidando das vidas dos outros, olhando e observando as suas atitudes e por muitas vezes querendo modificar os nossos irmãos no caminho. Isso acontece nos nossos lares, dentro do ambiente de trabalho, dos templos religiosos e na comunidade em geral. Enquanto estamos desatentos observando os outros, esquecemos da principal coisa que é olhar e observar as reações, pensamentos e emoções que brotam em nós.

Fortalecer a fé

Nós estamos passando por uma época muito difícil na face da terra. É a transição planetária que veio testar a humanidade e, não por acaso, está aí para que tomemos consciência de nós mesmos, do que devemos modificar, trabalhar. 

Em uma passagem de O Livro dos Espíritos há o questionamento sobre por que as pessoas sentem o desgosto pela vida e a vontade de desistir. E os espíritos respondem que é pela ociosidade, pelo fato de a pessoa estar inativa, parada, esperando muitas vezes que as coisas caiam do céu, se resolvam por si só, ou que o outro as resolva por ela. Outro motivo é a falta de fé. Que fé é essa, que ainda necessitamos olhar para o céu para buscar a Deus?

É necessário fortalecermos em nós o sentimento da fé, essa certeza latente, a fé em nós mesmos, a fé em Deus, na providência divina que segundo A Gênese, está impregnada em tudo, como o ar que respiramos e não vemos, mas está em todos os lugares. Deus nos conhece, cada detalhe, pensamento, sentimento que brota nosso interior, ele sabe de tudo e nenhum de nós está só, pois Deus está em tudo e em todos. É a suprema perfeição. 

E por que nós somos ainda tão vacilantes na fé? Dando muito mais atenção para coisas que vêm de fora? Como as perturbações que muitas vezes atribuímos aos obsessores que estão nos atormentando. É fato, pode acontecer, mas devemos sempre lembrar que eles são atraídos por sintonia. E que essa mesma sintonia também se dá entre os encarnados. 

Influência e sintonia

No livro Nos Domínios da Mediunidade, de Chico Xavier pelo espírito André Luiz vemos no capítulo “Dominação Telepática”:

Intensamente generalizado. É a influenciação de almas encarnadas entre si que, às vezes alcança o clima de perigosa obsessão. Milhões de lares podem ser comparados a trincheiras de luta, em que pensamentos guerreiam pensamentos, assumindo as mais diversas formas de angústias e repulsão.
— do livro Nos Domínios da Mediunidade.

Reflitamos que em nossos lares, no trabalho, enfim, na vida, convivemos com nossos afins e não afins. Estamos junto daqueles com os quais temos grande dificuldade em conviver, sendo que até palavras e mal entendidos são capazes de despertar em nós sentimentos como a raiva, o rancor e o ódio. Mas vale a pena nutrir estes sentimentos? Sabendo que eles são como dardos nocivos, que voltam contra nós? Eles refletem de forma negativa naqueles que os sentem e podem adoecer as criaturas. 

Ainda do capítulo “Dominação Telepática” do livro Nos Domínios da Mediunidade podemos entender que:

O pensamento exterioriza-se e projeta-se, formando imagens e sugestões que arremessa sobre os objetivos que se propõe atingir. Quando benigno e edificante, ajusta-se às Leis que nos regem, criando harmonia e felicidade, todavia, quando desequilibrado e deprimente, estabelece aflição e ruína. A química mental vive na base de todas as transformações, porque realmente evoluímos em profunda comunhão telepática com todos aqueles encarnados ou desencarnados que se afinam conosco.
— do livro Nos Domínios da Mediunidade.

Receita de proteção espiritual

Então, na realidade é através da sintonia que permitimos tanto aos desencarnados como aos encarnados essa comunhão de energias. Como, então, podemos nos proteger por exemplo das obsessões coletivas que estão tomando a humanidade? A falta de vigilância, como na história dos irmãos que cuidaram mais um do outro do que de si mesmos, é o primeiro passo a corrigir. 

A fórmula para nos protegermos está numa passagem do mesmo livro de Chico Xavier pelo espírito André Luiz:

A melhor maneira de extinguir o foco é recusar-lhe combustível. A fraternidade operante será sempre o remédio eficaz, ante as perturbações dessa natureza. Por isso mesmo, o Cristo aconselhava-nos o amor aos adversários, o auxílio aos que nos perseguem e a oração pelos que nos caluniam, como atitude indispensável à garantia de nossa paz e de nossa vitória.
— do livro Nos Domínios da Mediunidade (grifo nosso).

Está aí a receita, a forma para que possamos nos proteger. No entanto, achamos tarefa difícil amar os inimigos, fazer o bem aos que nos odeiam, orar pelos que nos perseguem e nos caluniam. Sim, é difícil! Mas é um exercício. Precisamos lembrar sempre de que virtudes são exercitadas, por isso estamos presos pela nossa viciação mental, presos pela própria maneira de viver a vida, repetindo as mesmas posturas sem querermos modificá-las. Conhecimento é adquirido e virtude é exercitada, já dizia Aristóteles. Não existe outra forma, não cai do céu. É necessário esforço. Por isso na programação divina atraímos as pessoas necessárias para que possamos exercitar a serenidade, a paciência, a tolerância e a compreensão que ainda não temos.

Próximos passos

Não há como escaparmos à lei divina, nada exime as responsabilidades de cada um cuidar do serviço a que veio neste mundo e, principalmente, de si próprio. O jugo com Cristo é mais fácil. Precisamos mudar a nós mesmos e sermos exemplos para os outros cuidando cada um de si. Dessa forma, vamos galgando a escala evolutiva. 

Ninguém está só, precisamos abrir as comportas mentais, não ficarmos presos a situações passadas, minando nossos corpos, tudo vai refletir em nosso organismo. É como se tomássemos o veneno da raiva querendo destruir o outro, quando na realidade estamos matando a nós mesmos.

Necessitamos trabalhar, pôr em prática o evangelho de Cristo, ter uma fé rigorosa e firme apesar das tribulações da vida que chegam a nossa porta cedo ou tarde, para que possamos superar e vencer, não o outro, mas a nós mesmos. 

De que importa o mundo se eu perder a mim mesmo? Ter razão e perder a paz? Precisamos seguir os exemplos de Cristo que mesmo sendo traído não se deixou contaminar por sentimentos ruins e nos amou tanto que entregou sua existência física para provar que a morte não existe. Ensinou o Mestre que somos espíritos imortais e a vida na Terra é passagem para ser vivida e só partimos quando Deus deseja. 

Então, sejamos fortes, confiemos em Deus e em nós mesmos porque todos temos potencial dentro de nós, somos filhos de Deus! Que brilhe a vossa luz através de suas obras. Plantemos coisas boas e colheremos as coisas boas. “Que tenhamos a certeza de que Jesus está conosco sempre e que precisamos nos conectar com ele e não com as turbulências da vida terrena”, concluiu a palestrante Vladia Kunz.

Acompanhe agora a íntegra da palestra que inspirou esta publicação:

*Colaborou com esta publicação: Luciane Staub.
** Imagem em destaque:
Kat Smith via Pexels.

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