Limite do trabalho: o repouso

O repouso serve para a reparação das forças do corpo e para dar um pouco mais de liberdade à inteligência, a fim de que o Espírito se eleve acima da matéria.

No último ano experienciamos momentos em que nossos trabalhos e ocupações se envolveram e seguem envolvidos diretamente no mesmo ambiente em que convivemos com nossas famílias, em que temos os momentos de lazer e nosso ambiente de repouso. Dessa forma, faz-se necessária uma discussão em relação ao limite do trabalho.

Estamos conseguindo equilibrar, de forma saudável e proveitosa, nosso trabalho, vida pessoal, família, amigos?

A palestra realizada no dia 29 de abril de 2021 na Associação Espírita Fé e Caridade, pelo expositor José Machado, tratou sobre o tema “Limite do trabalho: o repouso” e trouxe reflexões interessantes em relação ao equilíbrio citado.

A visão espírita do trabalho

Antes de tratar sobre o limite do trabalho, é necessária uma compreensão mais aprofundada da visão Espírita do trabalho. Para isso, podemos recorrer à Lei do Trabalho, discutida no capítulo 3 da parte Terceira do Livro dos Espíritos:

674. A necessidade do trabalho é lei da Natureza?
“O trabalho é lei da Natureza, por isso mesmo que constitui uma necessidade, e a civilização obriga o homem a trabalhar mais, porque lhe aumenta as necessidades e os gozos.”
— O Livro dos Espíritos, questão 674.

Os espíritos nos evidenciam por meio dessa pergunta a importância do trabalho como ferramenta que nos dá condições de acessar as necessidades materiais que necessitamos. Em outras palavras, o palestrante nos evidencia que o trabalho pode ser entendido como uma ferramenta para a sobrevivência material, gerando condições de saciar as necessidades materiais do corpo. Ampliando as discussões relacionadas ao trabalho, os espíritos respondem os questionamentos de Kardec:

675. Por trabalho só se devem entender as ocupações materiais?
“Não; o Espírito trabalha, assim como o corpo. Toda ocupação útil é trabalho.”
— O Livro dos Espíritos, questão 675.

Ainda:

676. Por que o trabalho se impõe ao homem?
“Por ser uma conseqüência da sua natureza corpórea. É expiação e, ao mesmo tempo, meio de aperfeiçoamento da sua inteligência. Sem o trabalho, o homem permaneceria sempre na infância, quanto à inteligência. Por isso é que seu alimento, sua segurança e seu bem-estar dependem do seu trabalho e da sua atividade. Ao extremamente fraco de corpo outorgou Deus a inteligência, em compensação. Mas é sempre um trabalho.”
— O Livro dos Espíritos, questão 676.

Dessa forma, o expositor nos esclarece que temos nossas necessidades, desejos e precisamos do trabalho para alcançar o que desejamos. O trabalho, nesse sentido, assume o sentido de instrumento que pode ser utilizado para o aprimoramento do indivíduo.

Com o trabalho, somos colocados frente à desafios relacionados ao desenvolvimento de habilidades, competências, disciplina, relacionamentos, entre outras virtudes. Dessa forma, a “ocupação útil” nos traz possibilidades de desenvolver diferentes aspectos enquanto encarnados e/ou desencarnados.

A evolução do trabalho

O trabalho, no entanto, não apresenta apenas uma face, uma forma. Essa ferramenta se modifica e se adapta de acordo com a evolução dos seres, como nos afirmam os espíritos:

678. Em os mundos mais aperfeiçoados, os homens se acham submetidos à mesma necessidade de trabalhar?
“A natureza do trabalho está em relação com a natureza das necessidades. Quanto menos materiais são estas, menos material é o trabalho. Mas, não deduzais daí que o homem se conserve inativo e inútil. A ociosidade seria um suplício, em vez de ser um benefício.”
— O Livro dos Espíritos, questão 678.

Com a evolução, a condição do Espírito encarnado se modifica, assumindo uma posição mais sutil. No entanto, a condição do trabalho permanece presente como necessidade para a evolução. 

Ainda, o expositor nos exemplifica que, em diversas obras da doutrina, autores como André Luiz e Emmanuel nos relatam a condição dos Espíritos no plano espiritual. Dessa forma, conseguimos observar o quanto o trabalho é muito presente, mesmo em outro plano.

Ainda, com a evolução, nosso entendimento do trabalho se modifica, como nos esclarece André Luiz:

“Quando o trabalhador converte o trabalho em alegria, o trabalho se transforma na alegria do trabalhador.”
— Sinal Verde, Capítulo 17 (Dever e trabalho).

Assim, quando entendermos que o trabalho é uma oportunidade de crescimento e os desafios do labor nada mais são que convites para a evolução, passamos a ter gratidão pela oportunidade divina e passamos a nos alegrar com o trabalho, como a passagem nos relata.

O repouso

Com o conceito do trabalho, podemos pensar na questão do repouso. Para isso, recorremos à pergunta de Kardec aos Espíritos:

682. Sendo uma necessidade para todo aquele que trabalha, o repouso não é também uma lei da Natureza?
“Sem dúvida. O repouso serve para a reparação das forças do corpo e também é necessário para dar um pouco mais de liberdade à inteligência, a fim de que se eleve acima da matéria.”
— O Livro dos Espíritos, questão 682.

O palestrante traz à tona a busca constante, no trabalho formal, de construirmos sempre mais, fazermos mais e aplicarmos nossas capacidades de forma integral. No entanto, o repouso traz possibilidades de conexão conosco mesmos, com a natureza, com leituras edificantes, ou mesmo com nossos amigos e familiares, promovendo uma reenergização que irá gerar uma maior produtividade na posterioridade.

Nesse sentido, o repouso não deve ser entendido como o “repouso inércia”, mas sim como um momento de trabalho em outras frentes. O “repouso de abnegação” ou o “repouso de dedicação” traz a oportunidade de entrarmos em contato com nossos valores morais nesse processo de recuperação de energias. Dessa forma, o repouso que propicia um repouso-ação, ao invés de um repouso-inércia deve sempre nosso foco.

O expositor, ainda, nos convida à duas reflexões importantes:

  1. Devemos refletir se estamos repousando em nossas vidas. Estamos nos permitindo revigorar as forças físicas e repousar em nossas rotinas?
  2. Em um segundo momento, devemos considerar como estamos utilizando esses momentos de repouso. Estamos em um repouso-ação ou um repouso-inércia? Como podemos dignificar esse tempo da melhor forma pensando na nossa evolução como seres imortal?

O limite do trabalho

Retomando a Lei do Trabalho, Kardec segue questionando os Espíritos:

683. Qual o limite do trabalho?
“O das forças. Em suma, a esse respeito Deus deixa inteiramente livre o homem.”
— O Livro dos Espíritos, questão 683.

Dessa forma, Deus nos dá o livre-arbítrio de reconhecermos nossos próprios limites. Cabe a nós, portanto, definir os períodos de descanso e nosso limite do trabalho. Para isso, quanto mais nos conhecemos, mais conseguimos reconhecer até onde vão nossas forças e de que forma devemos repousar.

Ampliando as discussões, o expositor nos traz uma citação de Joanna de Ângelis:

“Sendo o trabalho uma lei natural, o repouso é a consequente conquista a que o homem faz jus para refazer as forças e continuar em ritmo de produtividade. O repouso se lhe impõe como prémio ao esforço despendido, sendo-lhe facultado o indispensável sustento nos dias da velhice, quando diminuem o poder criativo, as forças e a agilidade na execução das tarefas ligadas à subsistência. […]
Dividido o tempo entre trabalho e lazer, ação e espairecimento, ampliam-se as possibilidades da existência do homem que, então, frui a decorrência do progresso na saúde, nas manifestações artísticas, na cultura, no prazer, dispondo de tempo para as atividades espirituais, igualmente valiosas, senão indispensáveis para a sua paz interior. Mediante o trabalho-remunerado o homem modifica o meio, transforma o habitat, cria condições de conforto. Através do trabalho-abnegação, do qual não decorre troca nem permuta de remuneração, ele se modifica a si mesmo, crescendo no sentido moral e espiritual.”
— Estudos Espíritas, Cap. 11 (Trabalho), Joanna de Ângelis.

Assim, podemos nos entender como sendo cocriadores nos meios em que estamos inseridos. O trabalho-abnegação pode ser entendido, ainda, como uma entrega aos irmãos necessitados, trazendo a alegria já citada anteriormente por André Luiz, no livro Sinal Verde. Porquanto, o trabalho passa a ter conotação de autoconhecimento, visto que também propicia momentos de conexão conosco mesmos, identificando dificuldades e virtudes.

O palestrante ainda nos relata que Rodolfo Calligaris, em sua obra “As Leis Morais” trata sobre a importância de buscar a medida do equilíbrio do trabalho e do repouso, evitando sempre que possível os comportamentos extremos. Não devemos nem nos entregar à ociosidade, nem nos impor a um ritmo excessivo de trabalho. Ainda, Rodolfo nos afirma que:

“A natureza exige o emprego de nossas energias e aqueles que se aposentam, sentindo-se ainda em pleno gozo de suas forças físicas e mentais, depressa caem no fastio, tornando-se desassossegados, irritadiços ou hipocondríacos.”
— As Leis Morais, Rodolfo Calligaris, Cap. 14 (Limite do Trabalho).

Portanto, o palestrante nos reforça a importância da transição do trabalho para a aposentadoria se dar de forma dignificante, estimulando a continuidade da intenção da utilidade nos trabalhos-abnegação.

Reflexão sobre nossas rotinas

Por fim, o expositor nos convida a refletirmos sobre nossos dias e nossas tarefas, profissionais ou não, tentando encontrar nosso equilíbrio entre o trabalho e o repouso, pensando sempre no repouso como sendo um período de crescimento, aprimoramento, refazimento das forças físicas e acima de tudo, uma oportunidade para nosso desenvolvimento.

Por vezes, atingimos a exaustão com nossa rotina cotidiana e deixamos de lado trabalhos edificantes em outras frentes além da profissional. Assim, devemos refletir o que podemos fazer nesses períodos de repouso necessários, transformando esses períodos em um descanso ativo, reconhecendo o limite do trabalho como uma oportunidade de construir outros valores, não deixando de ser úteis para a construção de um mundo melhor.

Acompanhe a íntegra da palestra “Limite do Trabalho: o repouso”, que inspirou esta publicação:

Referências Bibliográficas:

  1. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. Parte Terceira (Das Leis Morais) – Capítulo III (Da Lei do Trabalho).
  2. XAVIER, Francisco Cândido. Sinal Verde. Pelo Espírito André Luiz. Cap. 17 (Dever e Trabalho)
  3. FRANCO, Divaldo Pereira. Estudos espíritas. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Cap. 11 (Trabalho).
  4. CALLIGARIS, Rodolfo. As Leis Morais. Cap. 14 (Limite do Trabalho).

*Colaborou com esta publicação: Alberto Luz.
** Imagem em destaque via Pexels.

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