As obras básicas do Espiritismo servem como base de construção do pensamento espírita. A quarta das cinco obras básicas publicadas por Allan Kardec, que formam o pentateuco de obras espíritas, é intitulada O Céu e o Inferno.
A obra foi tema de uma palestra na Associação Espírita Fé e Caridade, no dia 9 de março de 2021, que inspirou esta publicação.
O Céu e o Inferno
A quarta obra básica do espiritismo O Céu e o Inferno, publicada em 1865, trata sobre a Justiça Divina segundo o espiritismo e divide-se em duas partes. Vamos ver mais sobre cada uma delas.
Primeira parte
A primeira parte, de acordo com o próprio Kardec:
Contém o exame comparado das doutrinas sobre a passagem da vida corporal à vida espiritual, sobre as penalidades e recompensas futuras, sobre os anjos e demônios, sobre as penas, etc. – O Céu e o Inferno, Prefácio.
Dessa forma, a primeira parte da obra analisa a evolução do pensamento religioso a partir de uma ótica filosófica, que vai tentando equacionar nossa concepção de um Deus que é justo, mas também misericordioso e bom com o destino das obras.
Segunda parte
A segunda parte da obra traz relatos colhidos por Kardec em diálogos estabelecidos com espíritos em diversas situações na erraticidade, comumente chamado de “Plano Espiritual”, como o próprio Kardec nos informa:
Seguido de numerosos exemplos acerca da situação real da alma durante e depois da morte – O Céu e o Inferno, Prefácio.
Assim, essa segunda parte surge na tentativa de abordar questões como a Justiça Divina, imortalidade do Espírito e a condição que ele usufruirá no Mundo Espiritual.
Para isso, Kardec traz um método inovador porque ele faz um raciocínio de lá para cá, construindo o pensamento sobre esses conceitos com base nos depoimentos de espíritos que chegaram no plano espiritual. A narrativa é descrita com base nos diversos depoimentos.
O Céu e o Inferno: mito ou realidade?
A palestrante, Elisa Luz, sugeriu que os ouvintes assistissem um documentário realizado pela Federação Espírita Brasileira (FEB) chamado Céu e Inferno – Mito ou realidade?.
Com depoimentos e considerações de Haroldo Dutra, Rossandro Klinjey, Saulo Silva e Severino Celestino, além de trechos com dramatizações que mostram a condição de alguns Espíritos após a morte do corpo físico, o documentário traz uma análise histórica sobre as diferentes crenças de céu, inferno, anjos, demônios, punições e recompensas depois da morte.
Dicotomias
Elisa nos leva a refletir que, como sociedade humana, gostamos de usar estereótipos e extremos para explicar o universo: Dia e noite; Bem e mal; Preto e branco. Baseado nessa simplificação dicotômica do mundo, criou-se também uma simplificação do que viria depois da experiência física. Em outras palavras, o Céu e o Inferno.
No entanto, a visão de um Deus justo e bom que condenaria seus filhos ao inferno eterno não é concebível na visão espírita. Por isso, a palavra Céu no espiritismo não deve ser entendida no singular, mas sim no plural, como podemos observar no livro do Gênesis:
“No princípio criou Deus os céus e a terra.” (Gênesis 1:1)
A visão histórica de Céu e Inferno
Ainda, a palestrante nos leva a uma reflexão relacionada com a visão do Céu e do inferno ao longo do tempo.
Na idade Média, as pessoas que viviam na riqueza, nos castelos, queriam um céu que representava a continuação dessa vida, com jardins e riquezas, enquanto os pobres escravizados queriam pelo menos na morte ir para o lugar que pudesse ser semelhante ao castelo dos reis.
Dessa forma, a concepção de um céu paradisíaco tem um objetivo: fazer uma promessa de que por um esforço ou sacrifício você terá uma coisa boa depois.
Em relação ao inferno, o que influenciou muito a visão coletiva de inferno foi uma obra de Dante Alighieri, chamada Divina Comédia. No imaginário popular da civilização ocidental, as pessoas não conseguem imaginar algo muito diferente do que está naquela obra. E parece que esses aspectos permanecem no inconsciente, afinal se não éramos nós mesmos que estávamos lá naquela época, em outro momento encarnatório?
O Céu e o Inferno interiores
Na obra, Kardec traz um novo conceito relacionado ao Céu e ao Inferno, não considerando mais esses conceitos como sendo regiões geográficas.
A Doutrina Espírita nos mostra um cosmos, uma criação que é ordenada e organizada, em que todas as peças se entrelaçam. Quando nos libertamos da indumentária material, exalamos o que trazemos dentro do coração, externalizamos isso com uma força muito grande. E isso vai nos encaminhar a locais com outras criaturas que pensam, sentem e vibram na mesma sintonia.
As regiões espirituais vão desde ambientes muito semelhantes ou piores do que a Terra, até ambientes que nem mesmo a nossa imaginação é capaz de conceber, tamanho estado de adiantamento intelectual ou emocional dos espíritos que habitam essas localidades.
Dessa forma, o céu e o inferno são condições íntimas. Nós podemos hoje desenvolver uma condição psicológica de sofrimento e escolhas tão infelizes que vamos nos colocar na condição infernal durante a própria vida. Não existe um lugar de condenação ou de gozo eterno.
Existe um pai que muito nos ama, que nos permite a partir da repetição das existências, aperfeiçoamento lento e gradual mas disciplinado, lógico, transitando de escolhas infantis e equivocadas para escolhas mais maduras.
Inferno não é um local para onde as pessoas vão, é um local com o qual elas se sintonizam em determinado momento. O Inferno é o que escolhemos ou não construir dentro de nós. Na visão espírita o inferno é um grande espelho que retrata aquilo que já está dentro da criatura.
Resgates espirituais
A grande contribuição do paradigma espírita nesse assunto do céu e inferno é mostrar a solidariedade entre as esferas. As regiões mais felizes ou menos felizes estão num plano de solidariedade.
Os que já habitam as regiões superiores mais felizes estão 100% comprometidos com o resgate e a regeneração dos que estão nas regiões de maiores sofrimentos. Ao contrário do que se imagina, as regiões infernais de maior sofrimento, estão repletas de mães, pais amorosos, de esposas amorosas que muitas vezes estão ali paira resgatar seus entes queridos, aguardando que as criaturas mudem de atitude mental para que elas possam atuar.
Já nos afirmava Jesus:
“Digo-vos que assim haverá alegria no céu por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.” (Lc 15:7)
Assim, para a Doutrina Espírita não existem penas eternas. Isso não significa que não sejamos responsáveis pelas nossas ações e que não iremos colher o que plantamos (Lei de causa e efeito). Reajusta o delito com a pena. Se o delito não é eterno a pena também não é eterna.
Autoconhecimento
Com o conceito íntimo do céu e do inferno, a palestrante nos convida à uma reflexão relacionada ao autoconhecimento.
Considerando que para onde vamos depois da morte, é simplesmente um reflexo do que já vivemos por dentro, devemos começar a nos conhecer e começar a mudar o mundo existente dentro de nós. O trabalho da reforma íntima deve ser realizado para que não sejamos surpreendidos por nós mesmos. Levamos nosso céu e o nosso inferno para onde formos.
Código penal da Vida Futura
A palestrante, ainda, relata que a obra O Céu e o Inferno apresenta um código penal para a vida futura. Esse código não vem punir, mas sim, nos educar e, sobretudo, para regenerar, com amor e paciência.
Acompanhe a íntegra da palestra que inspirou esta publicação:
* Colaborou para esta publicação: Alberto Luz.
** Imagem de capa: Luke Barky do Pexels.